Leituras: Dn 7,9-10.13-14 ou Pd 1,16-19; Sl 96(97),1-2.5-6.9 (R/. 1a
e 9a); Lc 9,28b-36
“O Espírito Santo apareceu na nuvem luminosa e a voz do Pai se fez
ouvir: Este é o meu Filho amado, nele depositei todo o meu amor. Escutai-o.”
(Mt. 17,5)
Meus irmãos,
A Festa da Transfiguração celebra
o mistério de Jesus Cristo. Para nós, mineiros, é a festa do Senhor Bom Jesus.
O Bom Jesus que ilumina a vida de todos os cristãos. Por isso, manifesta-se o
Cristo e toda a sua divindade, a sua glória sobre o mundo, como nosso salvador.
É esse o sentido do Evangelho que lemos no dia de hoje; é nesse sentido que São
Marcos procura iluminar-nos à sombra da cruz de Jesus, um cruz dolorosa,
entretanto, triunfante. Aquele símbolo de ignomínia para os gentios, de
maldição para os judeus, torna-se um sinal de bênção. Eis que na cruz morre o
Filho de Deus e, nessa mesma cruz, brota a vida plena para todas as criaturas,
para a humanidade redimida por ela.
A Transfiguração tem um
significado muito singular: revelar aos apóstolos que a passagem pela morte era
temporária e a ela sucederia o fato impensável da ressurreição. Isso porque
Jesus de Nazaré era o Filho de Deus e tinha o “poder de dar e retomar a vida”
(Jo 10,18).
Mas, o que é a Transfiguração?
Não é uma aparição, podemos dizer inicialmente. Podemos, contudo, afirmar
tratar-se de um parecer sob outra forma, senão a forma costumeira que Jesus
aparecia aos seus discípulos. Ele não apareceu no Tabor, mas tomou outra
figura. Como o fenômeno é inteiramente desconhecido no Antigo Testamento, não
há uma palavra própria para descrevê-lo ao entendimento humano. Assim, os
Evangelistas foram buscar uma nova terminologia usada na linguagem pagã, quando
falavam de deuses que não assumiam a forma humana. E usam um termo que a língua
nossa, a língua de Camões, também guardou do grego: metamorfose, isto é,
assunção de outra forma. Desta maneira, temos uma outra forma quando a água
assume a forma de gelo, ou quando a lagarta se transforma em borboleta.
No Monte Tabor, não temos um
outro Jesus; é o mesmo Jesus de Nazaré que assume uma forma divina. Embora não
possamos dizer que Deus tenha uma outra forma, o Evangelista teve de ater-se ao
linguajar e à compreensão humana. Ainda que o Antigo Testamento não conte com
transfigurações em sua linguagem, os termos com que se descreve a de Jesus são
todos desconhecidos ao descrever a divindade: luz resplandecente, vestes
brancas, alto de um monte, nuvem da qual sai uma voz.
Meus irmãos,
A Transfiguração ocorreu em um
monte, local para os judeus de contato com a Divindade. As vestes brancas
simbolizam a eternidade, o pertencer ao céu e ser santo como Deus é santo. Por
isso, o anjo da ressurreição estará vestido de vestes brancas. A Santa Igreja
conservou a figura da veste branca e a impõe ao recém-batizado, para simbolizar
a pertença à família de Deus e expressar que o sagrado Batismo devolveu à
criatura a santidade que a coloca em comunhão com Deus, conforme nos ensinou
São Paulo: “Passais por uma transformação espiritual de vossa mentalidade e vos
revestis do homem novo, criado segundo Deus na justiça e verdadeira santidade”
(Ef 4,24). Tudo isso levando-se para a santidade e para a comunhão íntima com
Deus e com a comunidade.
Outro símbolo da Transfiguração é
a luz. Deus mora na luz inacessível, conforme nos ensina a IV Oração
Eucarística, tão rica de significados teológicos. São João nos ensina: “Deus é
Luz” (1Jo 1,5). Jesus de Nazaré definiu-se como sendo a encarnação da luz (Jo
1,7s; 3,19; 12,46).
A nuvem, simboliza a presença de
Deus, como a manifestação no Monte Sinai (Ex 19,16) e a aliança entre Deus e o
povo. Isaías cantava que a nuvem é o carro de Deus (Is 19,1; Sl 104, 3). Quando
Jesus subir ao céu, em certo momento, será envolto por uma nuvem (At 1,9). Ora,
o Tabor tem muito do significado do Sinai. Cristo estava para dar à luz um novo
povo, uma nova e definitiva aliança, um novo Testamento por meio do sangue
derramado na cruz. Como vimos, a Transfiguração tem todo um sentido pascal. E a
Páscoa tem um sentido de recriação.
Para o angélico Santo Tomás de
Aquino, o Tabor tem a presença do Espírito Santo: “A Trindade inteira apareceu:
o Pai, na voz; o Filho, no homem; o Espírito, na nuvem luminosa”. A voz do Pai,
saída da nuvem, é o centro do episódio: “Este é meu filho bem-amado. Escutai o
que Ele diz!” (Mc 9, 8). Aqui está uma clara afirmação da filiação divina de
Jesus, de sua autoridade de Filho de Deus, de sua natureza divina. Por isso Ele
tem palavras de vida eterna.
Para nos transfigurarmos, devemos
nos revestirmos de Cristo para sermos como Ele é.
É muito importante termos
presente que a festa de hoje nos sinaliza que, pelo caminho do sofrimento e da
cruz, chegaremos à ressurreição. São Pedro nos representa a todos, quando
pretendemos viver e anunciar a alegria da ressurreição, sem passar pela
generosa entrega e pela morte. Também nós preferimos montar a nossa tenda na
montanha. Mas é preciso ter a experiência mística e coletiva da missão, do
anúncio do Evangelho. Não podemos ficar na “fresca” da contemplação da
Montanha, mas descer para o dia a dia da vida missionária.
Nesta reflexão sobre a
Transfiguração, torna-se oportuno atermo-nos a alguns aspectos. Primeiro, o
discípulo reza unindo a oração à realidade do dia-a-dia, principalmente pedindo
a força de Deus para vencer os obstáculos, pedindo as forças que vêm de Deus.
Depois, somos convidados a dar espaço e oportunidade a novas experiências. Para
isso é preciso rezar e amar, conforme nos ensina São João Maria Vianney no
silêncio do confessionário e na acolhida da partilha de seu ministério.
A experiência do Monte Tabor, a
Transfiguração do Senhor, deu força aos apóstolos para aguentarem a experiência
amarga do Monte Calvário. São Marcos relatou a história para fortalecer a fé
vacilante dos membros de sua comunidade, quarenta anos depois do acontecido. O
texto os convidou a renovar a fé em Jesus e na sua Palavra. O texto, ainda
hoje, convida-nos a essa mesma atitude, conforme o convite de Deus Pai: “Este é
o meu Filho amado. Escutem o que ele diz!” O convite de ontem vale hoje também
para nós. Mais do que um convite é uma convocação para a missão e para o
engajamento na realidade concreta da missão.
Contemplando hoje a face de Jesus
transfigurado e escutando o que ele diz, encontraremos força para passar
suportar os sofrimentos e dificuldades da vida, até o dia em que poderemos
contemplá-Lo na glória do Pai, realização definitiva da aliança e das
promessas.
Que Deus nos ajude e que as
palavras finais do saudoso amigo Dom Lucas nos interpele: “Que eu possa sempre
ver o rosto sereno e radioso do meu Cristo”. E eu completo: sempre na realidade
da oração e do amor no irmão que vive e convive conosco no cotidiano. Amém!
Padre Wagner Augusto
Portugal
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