Com grande maestria literária, os
Evangelistas Marcos e Mateus narram o martírio de São João Batista. Começam
descrevendo a situação na corte: a relação ilegítima de Herodes com sua
cunhada, as admoestações e as acusações do Batista e o rancor passional de
Herodíades. Celebrava-se o aniversário do Rei em clima de grande festa, onde os
convidados se refestelavam com bons vinhos e comidas requintadas.
Os convivas vieram de muitos reinos
e a ocasião era propícia para demonstrar dons e ostentação da família real para
possíveis pretendentes, selar acordos e mostrar o quanto o Imperador era
bondoso. Nestas ocasiões era tradição conceder perdão a algum criminoso ou
perdoar as dívidas.
A princesa exibe sua dança num
solo onde não houve lugar para erros, conseguindo arrancar aplausos e elogios
do público masculino. A ovação foi unânime e, o rei movido pela empáfia e para não
fazer feio diante daquela platéia, prometeu dar-lhe tudo quanto aquela jovem
moça lhe pedisse, ainda que fosse a metade de seu reino, caso dançasse mais uma
vez em sua homenagem.
Depois de dançar a moça consulta
sua mãe, para pedir a coisa certa.Herodíades aproveita a ocasião propícia para
calar a voz que acusava sua união
incestuosa, pedindo a cabeça do Profeta, numa bandeja . A vingança e o ódio despertam
na mente ardilosa de Herodíades um "gran finale" para aquele
aniversário que entraria para a história. A inesperada petição da princesa
coloca o rei numa situação onde a única saída era atender-lhe prontamente, pois
tinha jurado e as testemunhas estavam ali diante dele. O rei cede à
sensualidade e aos compromissos da corte e manda executar aquele cuja voz era
ouvida nos desertos. A festa tem um final macabro denunciando a imoralidade e
corrupção que reinavam naquele palácio. João Batista não teve nenhum defensor,
todos se calaram esperando o espetáculo, tornando-se cúmplices de um
assassinato.
Foi Mártir porque Profeta; foi
Profeta porque Precursor. Sua missão era preparar os caminhos para o SENHOR e
viveu esta missão de forma plena. Mesmo diante da morte não vacilou, tinha confiança
em Deus, pois foi-lhe sempre fiel. Enfrentou as autoridades constituídas
mostrando sua personalidade forte, acusando os erros e pregando a conversão.
O Salmo 118 retrata a coragem do
Batista;
«Falei de tuas leis na presença
dos Reis, sem os temer;
pois amo praticar a verdade de
tuas leis.»
Em outra passagem do Antigo
Testamento, encontramos semelhante coragem e confiança em
Jeremias, o Profeta, quando o
próprio Senhor lhe diz:
«Não te atemorizes diante dos
adversários
porque eu farei que tu não temas
a sua presença (...).
Pelejarão contra ti, mas não
prevalecerão porque estou contigo
sempre» (Jr 1,17-19).
Parece que o Precursor não só
herdou o dom da profecia como também a coragem e a confiança de seus
antecessores.
Sua morte não silenciou as vozes
daqueles que denunciam a imoralidade. Sua voz não foi calada! Talvez porque a
voz mais perturbadora não seja a que é decifrada pelos nossos ouvidos, mas
aquela que grita no mais profundo de nossa consciência.
Bíblia do Peregrino - Novo Testamento
Luis Alonso Schokel - Paulus Editora
«A«««A AA morte de João
Batista morte de João Batista»»»»
«Dá-me aqui, num prato, a cabeça de João Baptista.».
S. João Crisóstomo (c. 345-407), Homilia de S. Mateus
E Deus consentiu-o, não lançou o
Seu raio do alto dos céus para devorar o rosto insolente; não ordenou à terra
que se abrisse e engolisse os convidados daquele hediondo banquete: Deus dava
assim uma mais bela coroa ao justo e deixava uma magnífica consolação àqueles
que, no futuro, seriam vítimas de injustiças semelhantes.
Escutemos, então, todos nós, os
que, apesar da nossa vida honesta, temos de suportar os maldosos... O maior dos
filhos nascidos de mulher (Lc 7,28), foi levado à morte a pedido de uma filha
impudica, de uma mãe perdida; e isso por ter defendido as leis divinas. Que
estas considerações nos façam agüentar corajosamente os nossos próprios
sofrimentos...
Mas repara no tom moderado do
Evangelho que, na medida do possível, procura circunstâncias atenuantes para
este crime. Em relação a Herodes, faz notar que ele agiu «por causa do seu
juramento e dos convidados» e que «ficou penalizado»; em relação à rapariga,
ele refere que ela foi «induzida por sua mãe»...
Nós, também, não odiemos os maus,
não critiquemos os erros do próximo, escondamo-los o mais discretamente
possível; acolhamos a caridade na nossa alma. Pois sobre esta mulher impudica e
sanguinária, o Evangelista falou com toda a moderação possível...
Tu, pelo contrário, não hesitas
em tratar o teu próximo com maldade... Muito diferente é a maneira de agir dos
santos: eles lastimam os pecadores, em vez de os maldizer. Façamos como eles:
lamentemos Herodíades e aqueles que a imitam. É que se vêem hoje muitas
refeições do gênero da de Herodes; Nelas, não se leva o Precursor à morte, mas despedaçam-se os membros de Cristo.
«És «««És ÉsÉs tu aquele que deve vir? tu aquele que deve vir?»»»»
Santo Ambrósio (340-397), Comentário ao Evangelho de Lucas
O Senhor, sabendo que sem o
Evangelho ninguém pode ter uma fé plena – porque se a Bíblia começa pelo Antigo
Testamento, é no Novo que ela atinge a perfeição – não esclarece as questões
que lhe põem acercadele próprio por palavras, mas pelos seus atos. “Ide, disse
ele, contai a João o que virão e ouviram: os cegos vêem, os coxos andam, os
surdos ouvem, os leprosos são purificados, os mortos ressuscitam, a Boa Nova é anunciada
aos pobres”. Este testemunho é completo porque foi dele que profetizaram:”O
Senhor liberta os prisioneiros; o Senhor dá vista aos cegos; o Senhor levanta
os caídos... O Senhor reinará eternamente” (Sl 145,7s). Estas são as marcas de
um poder não humano mas divino...
Contudo estes não são ainda senão
os mais pequenos exemplos do testemunho trazido por Cristo. O que funda a
plenitude da fé, é a cruz do Senhor, a sua morte, o seu sepulcro. É por isso
que, depois da resposta que citamos, ele diz ainda:”Feliz daquele que não cair
por minha causa”. Com efeito, a cruz podia provocar a queda dos próprios
escolhidos, mas não há testemunho maior de uma pessoa divina, nada que mais
pareça ultrapassar as forças humanas, que esta oferta de um só pelo mundo
inteiro. Somente por isso o Senhor se revela plenamente. Aliás, é assim que
João o designa: ”Eis o Cordeiro de Deus, eis aquele que tira o pecado do mundo”
(Jo 1,29).
«Testemunha de Cristo na vida e na morte «««Testemunha de Cristo na
vida e na morte»»»»
Orígenes, presbítero e teólogo, Homilia 6
Admiremos João Batista por causa
do seguinte testemunho: "Entre os filhos de mulher, ninguém ultrapassa João
Batista" (Lc 7,28); ele mereceu ser elevado a uma tal reputação de virtude que muitas
pessoas pensavam que ele era o Cristo (Lc 3,15). Mas há uma coisa ainda mais admirável:
Herodes, o tetrarca, detinha poder real e podia fazê-lo morrer quando quisesse.
Ora ele tinha cometido uma ação injusta e contrária à lei de Moisés ao tomar a
mulher do seu irmão. João, sem ter medo dele nem fazer acepção de pessoas, sem
dar importância ao poder real, sem recear a morte..., sem escamotear qualquer
destes perigos, repreendeu Herodes com a liberdade dos profetas e condenou o seu
casamento. Lançado na prisãopor causa desta audácia, não se preocupou nem com a
morte nem com um julgamento com sentença incerta mas, a partir do cárcere, os
seus pensamentos iam para o Cristo que ele tinha anunciado.
Não podendo ir em pessoa ao seu
encontro, envia os seus discípulos para lhe trazerem informações: "Tu és aquele
que deve vir ou temos que esperar outro?" (Lc 7,15). Notem bem que, mesmo
na prisão, João ensinava. Mesmo naquele lugar ele tinha discípulos; mesmo na
prisão, João cumpria o seu dever de mestre e instruía os seus discípulos,
conversando sobre Deus.
Nestas circunstâncias,
levantou-se a questão de Jesus e João envia-lhe alguns discípulos... Os
discípulos regressam e trazem ao mestre o que o Salvador lhes tinha encarregado
de anunciar. Essa resposta foi para João uma arma para enfrentar o combate;
morre com confiança e com grande coragem se deixa decapitar, seguro na palavra
do próprio Senhor em como aquele em quem acreditava era verdadeiramente o Filho
de Deus. Esta foi a liberdade de João Batista, aquela foi a loucura de Herodes
que, aos seus numerosos crimes, acrescentou primeiro a prisão, depois o
martírio de João Batista.
Fonte: Evangelho Cotidiano
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