Luiz Francisco Beccari
De importante família romana,
Ambrósio nasceu em 340, na Gália, da qual seu pai era governador. Ainda jovem,
viu sua irmã, Santa Marcelina, beijar a mão de um Bispo e deu-lhe a sua a
beijar, dizendo: "Também eu serei Bispo um dia".
Estudou direito e retórica em
Roma, e fez brilhante carreira: Advogado Consular, Conselheiro do Imperador e
Governador das províncias de Emília e Ligúria, com sede em Milão.
Uma singular eleição
No ano 374, morreu o Bispo dessa
cidade. Para eleger seu sucessor, a população se dividiu em dois partidos. Os
católicos queriam eleger um homem fiel ao Papa, os arianos propugnavam por um
sequaz de Ario. A exaltação dos ânimos ameaçava degenerar em guerra civil.
O Governador Ambrósio viu-se
obrigado a intervir para manter a ordem. Dispôs suas tropas na praça e fez
cessar o tumulto. Em seguida, acompanhado de uma escolta, entrou na Catedral
para garantir o bom andamento da eleição. Graças à sua eficaz ação, logo se
acalmaram os ânimos exaltados. Então ele postou-se em lugar bem visível a todos
os presentes, com olhar vigilante sobre a assembléia. Nesse momento, ouviram-se
uns brados partidos do fundo do grandioso templo:
- Ambrosius episcopus! (Ambrósio
seja o Bispo!)
Como surgiu essa surpreendente
aclamação?
Um menino, tão novo que ainda não
sabia falar, foi quem deu o primeiro brado. Altamente admirada de ver o filho
pronunciar suas primeiras palavras - e que palavras! - a mãe fez coro com ele,
e logo se lhes juntaram outras vozes. Em pouco tempo, todos na Catedral,
inclusive os arianos, bradavam em uníssono:
- Ambrosius episcopus! Ambrosius
episcopus!
- Sou um pecador! Sou um pecador!
- replicava o Governador.
- Não importa, não importa!
Invocamos sobre nós os teus pecados! - gritava o povo, a uma só voz.
Ante essa inesperada
manifestação, aquela autoridade do maior império do mundo não encontrou outra
saída senão o recurso dos indefesos: fugiu e foi esconder-se no sítio de um
amigo. Os cristãos milaneses não desistiram.
Enviaram uma delegação para relatar a Valentiniano I o que havia acontecido e
rogar-lhe autorização para o Governador Ambrósio ser sagrado Bispo.
O Imperador consentiu,
reconhecendo no eleito um verdadeiro "enviado de Deus". À vista
disso, o amigo de Ambrósio indicou o lugar onde ele se encontrava.
Reconduzido a Milão, o Santo
acabou por reconhecer naqueles acontecimentos a vontade de Deus.
De catecúmeno a Bispo, em oito dias
O Bispo recém-eleito tinha 34
anos de idade e pertencia a uma família cristã, mas era apenas catecúmeno. Foi
batizado, recebeu a ordenação sacerdotal logo em seguida e, oito dias depois,
foi sagrado Bispo, a 7 de dezembro de 374. O clero e fiéis de todo o Império
acolheram com indizível júbilo a notícia dessa prodigiosa intervenção divina.
Não é difícil, sob impulso do
Espírito Santo, ordenar um Bispo apenas oito dias após seu Batismo. Mas como,
num curto tempo, transformar em pastor de almas um homem que, uma semana antes,
era ainda catecúmeno? Pergunta interessante para se ver como a graça divina,
quando bem correspondida, opera maravilhas.
Ambrósio era rico, mas não
apegado à riqueza deste mundo. Doou para a Igreja as terras que herdara. Quanto
aos outros bens, distribuiu parte aos pobres, dando à Igreja o restante. Altos
cargos no governo imperial, posição social brilhante, vida familiar - tudo isto
ele sacrificou para se ocupar somente do serviço de Deus.
Assim desembaraçado de qualquer
preocupação terrena, o novo Bispo aplicou-se ao estudo das Sagradas Escrituras
e dos autores eclesiásticos, sobretudo São Basílio. À medida que estudava,
fazia pregações. Apenas três anos haviam decorrido, e já ele inaugurava - com a
publicação dos livros "As Virgens" e "As viúvas" - a
prodigiosa atividade de escritor que lhe valeu os títulos de Doutor e Padre da
Igreja. Em breve tempo, ele brilhava no mundo cristão como o campeão da luta
contra o arianismo, muito forte naquela época, e os restos do antigo paganismo.
Triunfou sobre ambos, impondo silêncio à heresia e conquistando a Itália
inteira para a Fé Católica.
Tinha sempre presente sua alta
responsabilidade na escolha dos candidatos ao sacerdócio. Por seu espírito de
vigilância nesta matéria, adquiriu uma aguda capacidade de discernir quem
estava apto ou não a ser admitido à
Museu de Dijon, França recepção
da sagrada Ordem. Por exemplo, pelo simples modo de andar, ele podia recusar um
pretendente, pois dizia estar persuadido de que os movimentos desregrados do
corpo são efeito do desregramento da alma.
Confronto com o Imperador
Teodósio I, o Grande, ascendeu ao
trono imperial em 379.
No ano seguinte, declarou o
Cristianismo religião do Estado e proibiu os cultos pagãos. Entretanto, embora
muito amigos, não deixou de haver certas divergências entre o Bispo e o
Imperador, um propugnando pela inteira independência da Igreja, outro, pela do
Estado.
Durante uma rebelião no ano 390,
foi assassinado em Tessalônica o comandante militar local.
Por excitação de um camareiro
intrigante, Teodósio decretou terrível vingança contra os habitantes dessa
cidade. Sem distinguir inocentes de culpados, sem mesmo tomar em consideração
idade e sexo, as tropas imperiais massacraram sete mil pessoas.
Um clamor de indignação ressoou
por todo o Império. Não podendo calar- se ante essa atrocidade criminosa, o
Bispo - com solicitude de amigo e respeito de súdito, mas também com firmeza de
representante de Deus - admoestou o Soberano de que nenhum sacerdote de sua
Diocese lhe daria a absolvição. E, recordando-lhe o exemplo do Rei Davi, o exortou
a fazer sincera penitência.
Como para mostrar que ninguém
tinha direito de vituperar-lhe o procedimento, o Imperador se dirigiu à igreja
com grande aparato, segundo o costume. À porta do recinto sagrado, Ambrósio
barrou-lhe a entrada:
"Vejo que por desgraça, ó
Imperador, não medes a gravidade do fato sanguinário ordenado por ti (...) Não
acrescentes um novo crime ao que já te pesa. Retira-te e submete-te à
penitência que Deus te impõe. Já que imitaste David no crime, imitao também na
penitência!"
Com lágrimas nos olhos, o
Imperador retirou-se. Oito meses se passaram sem ele se apresentar na igreja,
nem o Bispo no palácio.
Por fim, porém, a Fé triunfou
sobre o orgulho. Na manhã do dia de Natal, banhado em lágrimas, o Imperador
disse a seu camareiro: "Não sentes minha desdita? A Igreja de Deus está
aberta até para os escravos e mendigos; porém, para o Imperador está fechada e
com ela a porta do Céu, pois Cristo disse: ‘O que atares na terra será atado no
Céu'".
Decidido a obter o perdão de
Deus, dirigiu-se à igreja, onde o esperava Santo Ambrósio, de pé no alto da
escadaria.
- Aqui estou, livra-me do meu
pecado - rogou.
- Onde está tua penitência? -
perguntou o Santo.
- Suplico-te que me livres desta
pena, em consideração da clemência de nossa Mãe a Igreja. Não me feches a
porta, dize-me o que hei de fazer.
A decisão de Ambrósio mostra o
incansável esforço da Santa Igreja para abrandar os costumes pagãos. Exigiu de
Teodósio a promulgação de uma lei determinando que as sentenças de morte e de
confisco não seriam executadas antes de 30 dias, e deveriam ser reapresentadas
ao Imperador para sua confirmação.
Teodósio fez escrever e assinou
imediatamente o decreto. Ato contínuo, recebeu a absolvição.
"Agradavam-lhe mais as repreensões que as adulações"
Despojando-se dos ornamentos imperiais,
Teodósio entrou na igreja e, prostrado no chão, recitou o salmo de Davi:
A cena não podia ser mais
grandiosa. Diante de tanta humildade, o povo suplicava e chorava com o
Imperador.
Cinco anos depois, chegado o
momento de comparecer perante o Tribunal de Deus, Teodósio clamou pela presença
de seu amigo Ambrósio, de cujas mãos recebeu os últimos Sacramentos antes de
falecer.
Em sua célebre oração fúnebre,
testemunhou o santo Bispo a respeito dele: "Eu amava este varão, porque
lhe agradavam mais as repreensões que as adulações. Como Imperador, não se
envergonhou da penitência pública, e depois chorou seu pecado todos os dias que
lhe restaram".
A conversão de Santo Agostinho
Era tal o poder de irradiação do
Bispo Ambrósio, que a rainha dos marcomanos (povo antigo da Germânia), chamada
Fretigila, apenas por ter ouvido um cristão falar a respeito de sua ciência e
santidade, acreditou em Jesus Cristo e enviou embaixadores a Milão, rogando ao
Santo que lhe informasse por escrito o que devia crer.
Uma dama de alta estirpe insistiu
com o Santo para ir celebrar Missa em sua casa. Uma mulher paralítica fez-se
transportar até lá, tocou na veste episcopal e, instantaneamente curada,
levantou-se e se pôs a andar, na presença de todos.
Outros milagres operou nosso
Santo, ainda em vida. Porém, a mais preciosa pedra de sua coroa de glória é a
conversão de Santo Agostinho, um dos homens mais inteligentes e cultos de todos
os tempos, coluna da Santa Igreja.
Com cerca de 30 anos, o futuro
Bispo de Hipona foi levado por Santa Mônica a relacionar-se com Santo Ambrósio.
De início hostil à Fé Católica, por causa de más influências dos maniqueus,
Agostinho era, entretanto, admirador da cultura e da suave eloqüência do Bispo
de Milão. Gostava não somente de ouvir seus sermões, mas também de passar horas
inteiras em seu gabinete, em silêncio, vendo esse homem de Deus trabalhar ou
estudar.
Não sem grande dose de
sagacidade, Ambrósio desfez na mente de seu ouvinte os maléficos sofismas da
seita maniqueísta. Quem lê as Confissões, é levado a conjeturar que o grande
pregador adaptava suas palavras às dúvidas de Agostinho, quando notava sua
presença na igreja. Este narra, inclusive, que ele "muitas vezes, vendo-me
quando pregava, prorrompia em louvores a ela [Santa Mônica] e me chamava ditoso
por ser filho de tal mãe".
Convertido, Santo Agostinho não
esconde seu entusiasmo por Santo Ambrósio. "Insigne pregador e piedoso
Prelado", homem cujas palavras eram "fonte de água que corria para a
vida eterna", "santo Bispo" - são expressões usadas por ele ao
referir-se àquele que o batizou na vigília da Páscoa de 387.
Em resumo, ele considerava Santo
Ambrósio o arquétipo do Bispo católico. Opinião confirmada pelo Missal Romano,
onde se lê que ele "representa a figura ideal do Bispo". Onde
encontrar testemunho mais elogioso, mais credenciado e mais insuspeito?
A recompensa
Em 4 de abril de 397, o Divino
Redentor chamou seu servo para receber no Céu a recompensa por sua vida de
fidelidade e combates em defesa da Fé. No início desse ano, antes de ser atingido
pela mortal doença, predisse que tinha pouco tempo de permanência neste mundo,
pois viveria só até a Páscoa.
Estando já prostrado no leito de
morte, alguns diáconos conversavam no fundo do aposento, levantando hipóteses
sobre quem seria seu sucessor. Um deles mencionou o nome de Simpliciano. Não se
sabe como, o Santo ouviu e aprovou: "É muito velho, mas é ótimo!"
Pouco depois disto, enquanto ele
rezava em voz baixa, apareceu-lhe Jesus Cristo com o rosto belíssimo. Após
cinco horas de oração com os braços em forma de cruz, Santo Honorato, Bispo de
Arles, foi chamado para darlhe o viático. Logo que o recebeu, entregou sua alma
a Deus.
(Revista Arautos do
Evangelho, Dez/2004, n. 36, p. 34 à 37)