JOÃO PAULO II
36ª AUDIÊNCIA GERAL
Quarta-feira, 1 de Agosto de 1979
Aproxima-se o primeiro
aniversário da morte do Papa Paulo VI. Deus chamou-a a si a 6 de Agosto do ano
passado dia em que, todos os anos, decorre a solenidade da Transfiguração do
Senhor. Esta solenidade bela e rica de conteúdo, foi o último dia do Papa Paulo
VI na terra, o dia da sua morte, o dia da passagem da sua vida à eternidade. «A
vida não é retirada, mas transformada» assim rezamos no Prefácio da Missa pelos
defuntos. Com efeito, o próprio dia da morte daquele grande Papa, o dia da
Transfiguração, tornou-se sinal eloquente desta verdade.
Podemos reflectir sobre o
significado do dia que Deus escolheu para concluir uma vida tão laboriosa, tão
cheia de dedicação e de sacrifício pela causa de Cristo, do Evangelho, da
Igreja. O pontificado de Paulo VI não foi porventura um tempo de profunda
transformação, promovida pelo Espírito Santo através de toda a actividade do
Concílio, convocado pelo seu Predecessor? Paulo VI, que herdara de João XXIII a
obra do Concílio logo após a primeira sessão de 1963, porventura não se
encontrou no próprio centro desta transformação, primeiro como Papa do Vaticano
II e depois como Papa da realização do Vaticano II, no período mais difícil,
imediatamente após o encerramento do Concílio?
Se é lícito reflectir sobre o
significado do dia que Deus escolheu como encerramento do seu ministério
pontifício, acumulam-se na mente várias interpretações. Recordando a festa da
Transfiguração que Deus quis como dia conclusivo da sua fé na terra (Cfr. 2 Tm
4, 7), poder-se-ia dizer que esta data manifestou, de certo modo, o particular
carisma e ainda a particular tarefa da sua vida. Carisma da «transformação» e
tarefa da «transformação». Poder-se-ia dizer, desenvolvendo este pensamento,
que o Senhor, tendo chamado a si o Papa Paulo VI na solenidade da sua
Transfiguração, permitiu-lhe, a ele e a nós, conhecer que em toda a obra de
«Transformação», de renovação da Igreja no espírito do Vaticano II, Ele está presente
como esteve naquele maravilhoso acontecimento verificado no Monte Tabor e que
preparou os Apóstolos para a partida de Cristo desta terra, primeiro através da
cruz, depois através da ressurreição.
O Papa do Vaticano II! O Papa
dessa profunda transformação que era apenas uma revelação do rosto da Igreja,
esperada pelo homem e pelo mundo de hoje! Também aqui há uma analogia com o
mistério da Transfiguração do Senhor. De facto aquele mesmo Cristo que os
Apóstolos viram no Monte Tabor era unicamente O que conheciam de todos os dias,
Aquele cujas palavras tinham ouvido e cujas acções tinham visto. No monte Tabor
revelou-se a eles o mesmo Senhor, mas «transfigurado». Nesta Transfiguração
manifestou-se e realizou-se uma imagem do seu Mestre, que em todas as
circunstâncias precedentes lhes era desconhecida, e se encontrava escondida.
João XXIII, e depois, Paulo VI,
receberam do Espírito Santo o carisma da transformação, graças ao qual a figura
da Igreja, conhecida de todos, se manifestou igual e ao mesmo tempo diferente.
Esta «diferença» não significa afastamento da própria essência, mas antes
penetração mais profunda na mesma essência. Ela é a revelação daquela figura da
Igreja, que se escondia na precedente. Era necessário que através dos «sinais
dos tempos», reconhecidos pelo Concílio, se manifestasse e tornasse visível, se
tornasse princípio de vida e de acção, nos tempos em que vivemos e naqueles que
virão.
O Papa, que nos deixou no ano
passado, na solenidade da Transfiguração do Senhor, recebeu do Espírito Santo o
carisma do seu tempo. Se de facto a transformação da Igreja deve servir para a
sua renovação, é necessário que aquele que a empreende Possua uma consciência
particularmente forte da identidade da Igreja. A expressão de tal consciência,
manifestou-a Paulo VI sobretudo na sua primeira Encíclica Ecclesiam Suam, e
depois continuamente: proclamando o Credo do Povo de Deus e emanando uma série
de normas executivas relativamente às deliberações do Vaticano II, inaugurando
a actividade do Sínodo dos Bispos, fazendo passos de pioneiro quanto à união
dos cristãos, reformando a Cúria Romana, internacionalizando o Colégio
Cardinalício, etc.
Em tudo isto se revelava sempre a
mesma consciência da Igreja, que confirma mais profundamente a própria
identidade na capacidade de renovação, de andar ao encontro das transformações
que surgem da sua vitalidade e ao mesmo tempo da autenticidade da Tradição.
Que me seja permitido reevocar
neste contexto pelo menos algumas frases das mensagens tão numerosas do Papa
que morreu há um ano. Na sua primeira Encíclica, Ecclesiam Suam, que data
justamente de 6 de Agosto de 1964, exprimia-se assim: «Por um lado, a vida
cristã, como a Igreja a defende e promove, deve com perseverança e tenacidade
preservar-se de tudo quanto pode enganá-la, profaná-la e sufocá-la, procurando
imunizar-se do contágio do erro e do mal; por outro, a vida cristã deve não só
adaptar-se às formas do pensamento e da moral, que o ambiente terreno lhe
oferece e impõe, quando elas forem compatíveis com as exigências essenciais do
seu programa religioso e moral, mas deve procurar aproximá-las de si,
purificá-las, nobilitá-las, vivificá-las e santificá-las ...». A palavra, hoje
famosa, do nosso venerando Predecessor João XXIII de feliz memória, a palavra
«actualização» sempre a teremos presente como orientação programática;
confirmámo-la como critério directivo do Concílio Ecuménico, e continuaremos a
recordá-la como um estímulo à vitalidade sempre renascente da Igreja, à sua
capacidade sempre atenta a descobrir os sinais dos tempos, à sua agilidade
sempre juvenil de tudo provar e de tomar para si exactamente o que é bom (Cfr.
1Tess. 5, 21), sempre e em toda a parte (Ecclesiam Suam n. 44 e 52), alguns
anos depois, dizia num discurso: «Quem compreendeu algo sobre a vida cristã,
não pode prescindir da sua constante aspiração à renovação. Aqueles que
atribuem à vida cristã um carácter de estabilidade, de fidelidade, de
estaticidade, estão a ver bem, mas não estão a ver tudo. Certamente que a vida
cristã é baseada em factos e em empenhos, que não admitem mutações, como a
regeneração baptismal, a fé, a per-tença à Igreja, a animação da caridade; é de
natureza sua uma aquisição permanente que nunca se deve comprometer, mas é,
como dissemos, uma vida, e portanto um princípio, uma semente, que deve
desenvolver-se, que exige crescimento, aperfeiçoamento; e dada a nossa natural
caducidade e dadas certas incuráveis consequências do pecado original, exige
reparação, restabelecimento, renovação» (Ensinamentos de Paulo VI, vol. IX,
pág. 318).
O Papa Paulo foi um semeador
generoso da palavra de Deus. Ensinou através dos solenes documentos do seu
Pontificado. Ensinou através de homilias em várias circunstâncias; ensinou por
fim através da catequese das quartas-feiras que, a partir do seu pontificado,
entrou no programa habitual de todo o ano. Graças a isso, pôde continuamente
«proclamar o Evangelho» (Cfr. Evangelii Nuntiandi). Considerava o anúncio do
Evangelho, seguindo o exemplo do apóstolo Paulo, como seu primeiro dever e como
a sua maior alegria. Estas catequeses papais tornaram-se em alimento
substancial para toda a Igreja, num período em que esta tinha uma necessidade particular.
Perante as inquietações do
período pós-conciliar, aquele singular «carisma da Transfiguração»
demonstrou-se «bênção e dom para a Igreja». Assim Paulo VI tornou-se Mestre e
Pastor das inteligências e das consciências humanas, em questões que exigiam a
decisão da sua suprema autoridade. Serviu Cristo e a Igreja com aquelas
admiráveis firmeza e humildade que lhe permitiram ver, com olhos de fé e de
esperança, o futuro da obra que estava a construir.
Aproximando-se o primeiro
aniversário da sua morte, recomendamos novamente a Sua alma a Cristo no monte
da Transfiguração, a fim de que Ele o acolha na glória do eterno Tabor.
Saudações
A peregrinos italianos
Saúdo com afecto os peregrinos
italianos presentes na Audiência: os numerosos sacerdotes e os jovens
seminaristas, os religiosos e as religiosas, os grupos paroquiais, os conjuntos
familiares, como também as pessoas vindas sózinhas.
Desejo enviar uma saudação
especial aos rapazes da "Comunidade de Vida Cristã", da cidade de
Cúneo, os quais andam há anos a difundir pela Itália, com o canto, a mensagem
evangélica.
Ao agradecer-vos a prova canora,
com que alegrastes esta audiência, dirijo a cada um de vós, caríssimos jovens,
urna recomendação. Faço-o com as palavras do grande Santo Agostinho: "Do mesmo
modo que os viandantes costumam cantar, canta também tu e vai andando. Que
significa "anda"? Vai para a frente, vai para a frente no caminho da
bondade".
Saúdo agora os membros da
Comissão proveniente da Ilha de Cápri, presente com uma estátua de bronze de
"Nossa Senhora de Socorro", que será colocada no alto do Monte
Tibério. Ao benzer a imagem da Virgem, confio à sua especial protecção as
vossas pessoas, filhos caríssimos, os vossos familiares, todos os cidadãos da
Ilha, e formulo para cada um os Votos duma devoção cada vez mais profunda e
esclarecida à Mãe de Cristo.
A peregrinos Sérvios
Durante a Audiência geral de 30
de Maio último, falando de como no decurso da história se foram juntando às
várias línguas do Cenáculo no dia do Pentecostes, as várias línguas eslavas,
não mencionei a língua sérvia.
Desejo suprir hoje essa falta.
Como é sabido, a origem segura do cristianismo na Sérvia remonta ao século IX,
acompanhando a actividade evangelizadora e a cultura religiosa dos Santos
Cirilo e Metódio. Deve todavia dizer-se que já no século VI houve tentativas de
evangelizar os Sérvios. Depois, num documento de 1020 do imperador de
Constantinopla, Basilios II, faz-se
menção da Diocese sérvia de Ras. O fundador do estado sérvio medieval, Stefan
Njemanja, foi baptizado segundo o rito latino; e seu filho Stefan Prvovencani
recebeu a coroa real do Papa Honório III em 1218. Desde então, com alternativas
várias, o povo sérvio aumentou e desenvolveu-se, sempre solidamente enraizado
na fé cristã.
Agradeço portanto de coração ao
Senhor que possa ser anunciado o Evangelho também na língua sérvia como nas
outras línguas eslavas e em todas as línguas da grande família humana, que
possa ser anunciado com a força do mesmo Espírito Santo, que se manifestou no
princípio, no dia do primeiro Pentecostes.
Aos Jovens
Caríssimos Jovens. Vai para vós a
minha saudação, cheia de afecto. Sabeis qual é o desejo do Papa a vosso
respeito: desejo que sejais bons e generosos, vencendo o mal que há na
sociedade, com a vossa vida de graça, com a vossa pureza e com a vossa amizade com
Jesus.
Este é o caminho recto da vida: é
o caminho da verdadeira alegria e da eterna salvação. Mas como fazer isto que
vos digo? Qual o segredo?
Diz-no-lo o grande Santo e Doutor
da Igreja que hoje festejamos, Santo Afonso Maria de Ligório, com o livro
sempre actual, porque simples e profundo, "Do grande meio da oração".
O segredo está na oração.
Também eu, por isso mesmo, vos
exorto ao encontro com Deus mediante a oração, dizendo-vos com Santo Afonso:
"Quem ora, com certeza que se salva".
Aos Doentes
Caríssimos doentes. Sempre com
particular cordialidade vos dirijo a minha saudação, que brota do afecto e da
veneração pelos que sofrem. Saber sofrer com amor, com resignação, com ânimo,
com confiança e com paciência, eis a grande arte que se aprende só com o
auxílio da graça divina, na escola de Cristo Crucificado, que entende e
santifica a nossa dor.
Santo Afonso Maria de Ligório
escreveu uma obra mística, muito comovedora, que ainda hoje pode consolar a
ajudar: "A paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo". Exorto-vos a que a
mediteis: levar-vos-á sem dúvida conforto e alívio nas vossas penas. A minha
bênção vos acompanhe.
Aos jovens Casais
Caríssimos esposos,
Chegue também a vós a minha
saudação, juntamente com os votos e felicitações pela vida nova que encetastes.
Segundo a instante exortação de
Santo Afonso Maria de Ligório, convido-vos a colocardes a vossa vida sob a
protecção de Nossa Senhora.
Uma sincera e autêntica devoção à
Virgem Maria ser-vos-á -de grande auxílio, para serdes esposos cristãos,
testemunhas de fé e de caridade, pais alegres e generosos.
Auxilie-vos também a minha
Bênção.
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