Leituras: Gn 2,18-24; Sl 127(128),1-2.3.4-5.6 (R/. cf 5); Hb
2,9-11; Mc 10,2-16)
Antífona da entrada: “Senhor,
tudo está em vosso poder, e ninguém pode resistir à vossa vontade. Vós fizestes
todas as coisas: o céu, a terra e tudo o que eles contém; sois o Deus do
Universo!” (Est 1,9ss)
SANTA MISSA NO «CAPITOL MALL»
HOMILIA DO PAPA JOÃO PAULO II
Washington, 7 de Outubro de 1979
Queridos irmãos e irmãs em Jesus Cristo
1. Um dia Jesus, dialogando com o
seu auditório, teve de enfrentar uma tentativa da parte dos Fariseus que tinha
em vista levá-l'O a aprovar as suas opiniões sobre a natureza do matrimónio.
Jesus respondeu reafirmando o ensinamento da Sagrada Escritura: No princípio da criação, Deus fê-los homem e
mulher. Por causa disso deixará o homem seu pai e sua mãe; e passarão os dois a
ser uma só carne. Portanto, já não são dois, mas uma só carne. Aquilo, pois,
que Deus uniu não o separe o homem (Mc 10, 6-9).
O Evangelho segundo São Marcos
refere-se logo depois à descrição de uma cena que bem conhecemos. Esta cena
mostra-nos a indignação de Jesus ao notar que os seus discípulos procuravam
impedir que as pessoas trouxessem os seus filhos junto d'Ele. E disse: Deixai vir a Mim as criancinhas, não as
afasteis, pois a elas pertence o reino dos Céus... Depois, tomou-as nos braços
e abençoou-as impondo-lhes as mãos (Mc 10, 14-16). Ao propor-nos estas
leituras, a liturgia hodierna convida-nos a todos a reflectir em três temas
estritamente conexos entre si: a natureza do matrimónio, a família e o valor da
vida.
2. É para mim grande alegria
deter-me a reflectir convosco na palavra de Deus que a Igreja hoje nos propõe,
porque os Bispos de todo o mundo estão discutindo sobre o matrimónio e sobre a
vida da família em todas as Dioceses e nações. Os Bispos estão a fazer isto em
preparação do próximo Sínodo mundial dos Bispos, que tem como tema: "O
papel da Família cristã no mundo contemporâneo". E foram precisamente os
vossos Bispos que designaram o próximo ano como ano de estudo, planificação e
renovação pastoral da família. Por várias razões há no mundo um renovado
interesse pelo matrimónio, a vida da família e o valor da vida humana.
O domingo de hoje assinala o
princípio do anual "Programa para o respeito da vida", graças ao qual
a Igreja dos Estados Unidos pretende insistir na própria convicção da
inviolabilidade da vida humana em todas as suas fases. Renovemos, pois, todos
juntos, o nosso respeito pelo valor da vida humana, lembrando-nos que, mediante
Cristo, toda a vida humana foi remida.
3. Não hesito em proclamar,
perante todos vós e perante todo o mundo, que cada vida humana — desde o
momento da sua concepção e durante todas as fases que se seguem — é sagrada,
porque a vida humana é criada à imagem e semelhança de Deus. Nada supera a
grandeza nem a dignidade da pessoa humana. A vida humana não é apenas uma ideia
ou uma abstracção; a vida humana é a realidade concreta de um ser que é capaz
de amor e de serviço para com a humanidade.
Permiti-me que repita aquilo que
disse durante a peregrinação à minha terra: "Se
se inflige o direito do homem à vida no momento em que ele começa a ser
concebido no seio materno, ataca-se indirectamente toda a ordem moral que serve
para assegurar os bens invioláveis do homem. A vida ocupa entre eles o primeiro
lugar. A Igreja defende o direito à vida, não só por respeito à majestade do
Criador que é o primeiro dador desta vida, mas também por respeito ao bem
essencial do homem" (João Paulo II, Homilia em Towy Targ; em L'Oss. Rom.,
ed. port., 15.7.79, p. 6).
4. A vida humana é preciosa
porque é um dom de Deus cujo amor é infinito: e quando Deus dá a vida, dá-a
para sempre. A vida é também preciosa porque é a expressão e o fruto do amor. É
esta a razão pela qual a vida deve ter origem no contexto dó matrimónio e pela
qual o matrimónio e o amor recíproco dos pais devem ser caracterizados pela
generosidade em prodigar-se. O grande perigo para a vida da família numa
sociedade cujos ídolos são o prazer, a comodidade e a independência, está no
facto de os homens fecharem o coração e tornarem-se egoístas. O medo de um
compromisso permanente pode transformar o amor mútuo entre marido e mulher em
dois amores de si próprios — dois amores que existem um ao pé do outro, até
acabarem por separar-se.
No sacramento do matrimónio o
homem e a mulher — que pelo Baptismo se tornaram membros de Cristo e têm o
dever de manifestar na sua vida as atitudes de Cristo — recebem a certeza do
auxílio de que têm necessidade para o próprio amor crescer numa união fiel e
indissolúvel e para conseguirem responder generosamente ao dom da paternidade.
Como declarou o Concílio Vaticano II:
"Por meio deste Sacramento, o próprio Cristo torna-se presente na vida dos
cônjuges e acompanha-os, a fim de que possam amar-se mutuamente e amar os seus
filhós, precisamente como Cristo amou a sua Igreja e se deu a si mesmo por
ela" (Cfr. Gaudium et Spes, 48; Ef 5, 25).
5. Para que o matrimónio cristão
favoreça o bem total e o desenvolvimento do casal, deve ser inspirado pelo
Evangelho, e assim abrir-se à nova vida — nova vida dada e aceita
generosamente. Os cônjuges são também chamados a criar uma atmosfera familiar
em que os filhos sejam felizes e vivam plena e dignamente uma vida humana e
cristã.
Para ser possível viver-se uma
vida familiar alegre, impõem-se sacrifícios quer da parte dos pais quer da
parte dos filhos. Cada membro da família deve tornar-se, de modo especial, o
servo dos outros compartilhando as cargas deles. É necessário cada um ter a
solicitude não só da própria vida, mas também da vida dos outros membros da
família: das suas carências, das suas esperanças e dos seus ideais. As decisões
a propósito do número dos filhos e dos sacrifícios que daí derivam não devem
ser tomadas só em vista de aumentar as próprias comodidades e manter uma
existência tranquila. Reflectindo neste ponto diante de Deus, ajudados pela
graça que vem do Sacramento, e guiados pelos ensinamentos da Igreja, os pais
recordarão a si próprios que é mal menor negar aos próprios filhos certas
comodidades e vantagens materiais do que privá-los da presença de irmãos e
irmãs que poderiam ajudá-los a desenvolver a sua humanidade e a realizar a
beleza da vida em todas as suas fases e em toda a sua variedade.
Se os pais compreendessem
plenamente as exigências e as oportunidades encerradas neste grande Sacramento,
não deixariam de se unir a Maria no hino de louvor ao Autor da vida — a Deus —,
que os escolheu como seus colaboradores.
6. Todos os seres humanos
deveriam apreciar a individualidade de cada pessoa como criatura de Deus,
chamada a ser irmão ou irmã de Cristo em razão da Encarnação e da Redenção
Universal. Para nós a sacralidade da pessoa humana é fundada nestas premissas.
E é nestas mesmas premissas que se funda a nossa celebração da vida — de toda a
vida humana. Isto explica os nossos esforços para defender a vida humana de
qualquer influência ou acção que a possa ameaçar ou debilitar, assim como os
nossos esforços para tornar cada vida mais humana em todos os seus aspectos.
Por conseguinte, reagiremos todas
as vezes que a vida humana for ameaçada. Quando o carácter sagrado da vida
antes do nascimento for atacado, nós reagiremos para proclamar que ninguém tem
o direito de destruir a vida antes do nascimento. Quando se falar de uma
criança como de um peso ou se considera a mesma como meio para satisfazer uma
necessidade emocional, nós interviremos para insistir em que todas as crianças
são dom Único e irrepetível de Deus, que têm direito a uma família unida no
amor. Quando a instituição do matrimónio for abandonada ao egoísmo humano e
reduzida a um acordo temporâneo e condicional que se pode dissolver facilmente,
nós reagiremos afirmando a indissolubilidade do vínculo matrimonial. Quando o
valor da família for ameaçado por pressões sociais e económicas, nós reagiremos
reafirmando que a família é necessária não só para o bem privado de cada
pessoa, mas também para o bem comum de cada sociedade, nação e estado (João
Paulo II, Audiência Geral, 3.1.79). Quando depois a liberdade for usada para
sujeitar os fracos, esbanjar as riquezas naturais e a energia, e para negar aos
homens as necessidades essenciais, nós reagiremos para reafirmar os princípios
da justiça e do amor social. Quando os doentes, os anciãos ou os moribundos
forem abandonados, nós reagiremos proclamando que eles são dignos de amor, de
solicitude e de respeito.
Faço minhas as palavras que Paulo
VI dirigiu o ano passado aos Bispos Americanos: "Estamos convencidos, além disso, que todos os esforços
empreendidos para salvaguardar os direitos humanos beneficiam actualmente a
vida em si mesma. Tudo o que se dirige — no direito ou nos factos — a banir a
discriminação baseada na 'raça, origem, cor, cultura, sexo ou religião' (cfr.
Octogesima Adveniens, 16), é serviço prestado à vida. Quando os direitos das
minorias, são protegidos, quando os diminuídos mental ou fisicamente são
assistidos, quando é concedida voz aos marginalizados da sociedade, em todos
estes casos, são favorecidas a dignidade da vida humana, a plenitude da vida
humana e a santidade da vida humana... Em especial, cada contribuição para
melhorar o clima moral da sociedade e enfrentar a permissividade e o hedonismo,
e ainda toda a assistência à família, que é a fonte da nova vida, tudo isso é
favorecer os valores da vida" (Paulo VI, Discurso aos Bispos
Americanos, em L'Oss. Rom., ed. port. 4.6.1978. p. 4).
8. Muito está ainda por fazer a
fim de se conseguir ajudar aqueles cuja vida é ameaçada e reavivar a esperança
daqueles que têm medo da vida. Requer-se coragem para resistir às pressões e
aos falsos "slogans", para proclamar a dignidade suprema de cada vida,
e exigir que a própria sociedade a proteja. Desejo pois dirigir uma palavra de
louvor a todos os membros da Igreja Católica e das outras Igrejas cristãs, a
todos os homens e mulheres da herança judeo-cristã, assim como a todos os
homens de boa vontade, a fim de se unirem num esforço comum para a defesa da
vida na sua plenitude e para a promoção de todos os direitos humanos:
A nossa celebração da vida faz
parte da nossa celebração da Eucaristia. Nosso Senhor e Salvador, mediante a
Sua morte e Ressurreição, tornou-se para nós "o pão da vida" e o
penhor da vida eterna. N'Ele encontramos a coragem, a perseverança e a
inventiva de que temos necessidade para promover e defender a vida nas nossas
famílias e no mundo inteiro.
Queridos irmãos e irmãs: temos
confiança em que Maria, Mãe de Deus e Mãe da Vida, nos dará a sua ajuda para
que o nosso modo de viver reflicta sempre a nossa admiração e reconhecimento
pelo dom do amor de Deus que é a vida. Sabemos que Ela nos ajudará a usar todos
os dias que nos são dados como oportunidade para defender a vida antes do
nascimento e para tornar mais humana a vida dos nossos irmãos, onde quer que
eles se encontrem.
A intercessão de Nossa Senhora do
Rosário, cuja festa celebramos hoje, nos conceda podermos todos chegar um dia à
plenitude da vida em Cristo Jesus nosso Senhor. Amém.
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