quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Na segunda narrativa da criação encontra-se a definição subjectiva do homem




JOÃO PAULO II
42ª AUDIÊNCIA GERAL
Quarta-feira, 19 de Setembro de 1979

1. Referindo-nos às palavras de Cristo sobre o tema do matrimónio, em que Ele apela para o «princípio», dirigimos a nossa atenção, há uma semana, para a primeira narrativa da criação do homem no Livro do Génesis (Gén. 1) Hoje passaremos à segunda que, sendo Deus nela chamado «Javé», é muitas vezes denominada «javista».
A segunda narrativa da criação do homem (ligada à apresentação tanto da inocência e felicidade original como da primeira queda) tem, por sua natureza, carácter diverso. Embora não querendo antecipar as particularidades desta narrativa — porque nos convirá apelar para elas nas outras análises — devemos reconhecer que todo o texto, ao formular a verdade sobre o homem, nos maravilha com a sua profundidade típica, diversa da do primeiro capítulo do Génesis. Pode-se dizer que é profundidade, de natureza sobretudo subjectiva, e portanto, em certo sentido, psicológica. O capítulo 2.° do Génesis constitui, em certo modo, a mais antiga descrição e registo da auto-compreensão do homem e, juntamente com o capítulo 3°, é o primeiro testemunho da consciência humana. Com aprofundada reflexão sobre este texto — por meio de toda a forma arcaica da narração, que manifesta o seu primitivo carácter mítico(1) — encontramos nele «in nucleo» quase todos os elementos da análise do homem, aos quais é sensível a antropologia filosófica moderna e sobretudo contemporânea. Poder-se-ia dizer que Génesis 2 apresenta a criação do homem especialmente no aspecto da sua subjectividade. Confrontando entre si ambas as narrativas, chegamos à convicção que esta subjectividade corresponde à realidade objectiva do homem, criado «à imagem de Deus». E também este facto é— doutro modo —importante para a teologia do corpo, como veremos nas análises seguintes.

2. É significativo, na sua resposta aos fariseus em que apela para o «princípio», indicar Cristo primeiramente a criação do homem com referência a Gén. 1, 27: O Criador no princípio criou-os homem e mulher; só em seguida cita o texto de Génesis 2, 24. As palavras, que directamente descrevem a unidade e indissolubilidade do matrimónio, encontram-se no contexto imediato da segunda narrativa da criação, cuja passagem característica é a criação separada da mulher (Cfr. Gén. 2, 18-23), ao passo que a narrativa da criação do primeiro homem (macho) se encontra em Génesis 1, 5-7. A este primeiro ser humano chama a Bíblia «homem» ('adam), ao passo que, desde o momento da criação da primeira mulher, começa a chamar-lhe «macho», 'is, em relação com 'issâh («fêmea», porque foi tirada do macho, 'is) (2). E é também significativo que, referindo-se a Génesis 2, 24, Cristo não só liga o «princípio» com o mistério da criação, mas também nos conduz, por assim dizer, ao confim entre a primitiva inocência do homem e o pecado original. A segunda narrativa da criação do homem foi fixada no Livro do Génesis exactamente em tal contexto. Nele lemos, primeiro que tudo: Da costela que retirara do homem, o Senhor Deus fez a mulher e conduziu-a até ao homem. Ao vê-la, o homem exclamou: «esta é, realmente, osso dos meus ossos e carne da minha carne. Chamar-se-á mulher, visto ter sido tirada do homem» (Gén. 2, 22-23). Por este motivo, o homem deixará o pai e a mãe para se unir a sua mulher; e os dois serão uma só carne (Gén. 2, 24).
Estavam ambos nus, tanto o homem como a mulher, mas não sentiam vergonha (Gén. 2, 25).

3. Em seguida, imediatamente depois destes versículos, começa Génesis 3, a narrativa da primeira queda do homem e da mulher, narrativa ligada com a árvore misteriosa, que já antes fora chamada árvore da ciência do bem e do mal (Gén. 2, 17). Cria-se com isto uma situação completamente nova, essencialmente diversa da precedente. A árvore da ciência do bem e do mal é uma linha de demarcação entre as duas situações originais, de que fala o Livro do Génesis. A primeira situação é de inocência original, em que o homem (macho e fêmea) se encontra quase fora da ciência do bem e do mal, até ao momento em que transgride a proibição do Criador e come o fruto da árvore da ciência. A segunda situação, pelo contrário, é aquela em que o homem, depois de transgredir o mandamento do Criador por sugestões do espírito maligno simbolizado pela serpente, se encontra, em certo modo, dentro do conhecimento do bem e do mal. Esta segunda situação determina o estado de pecaminosidade humana, contraposto ao estado de inocência primitiva.
Se bem que o texto javista seja no conjunto muito conciso, basta contudo para diferenciar e contrapor com clareza aquelas duas situações originais. Falamos aqui de situações, tendo diante dos olhos a narrativa que é descrição dos acontecimentos. Apesar de tudo, através desta descrição e de todas as suas particularidades, surge a diferença essencial entre o estado de pecaminosidade do homem e o da sua inocência original (3) . A teologia sistemática descobrirá nestas duas situações antitéticas dois estados diversos da natureza humana: status naturae integrae (estado de natureza íntegra) e status naturae lapsae (estado de natureza decaída). Tudo isto deriva daquele texto «javista» de Génesis 2 e 3, que encerra em si a mais antiga palavra da revelação, e tem evidentemente um significado fundamental quer para a teologia do homem quer para a teologia do corpo.

4. Quando Cristo, referindo-se ao «princípio», manda os seus interlocutores para as palavras escritas em Génesis 2, 24, ordena-lhes, em certo sentido, que ultrapassem o confim que, no texto javista do Génesis, se interpõe entre a primeira e a segunda situação do homem. Não aprova o que «por dureza do coração» Moisés permitiu, e refere-se às palavras da primeira ordem divina, que neste texto está expressamente ligada ao estado de inocência original do homem. Significa isto que tal ordem não perdeu o seu vigor, ainda que o homem tenha perdido a inocência primitiva. A resposta de Cristo é decisiva e sem equívocos. Por isso, devemos tirar dela as conclusões normativas, que têm significado essencial não só para a ética, mas sobretudo para a teologia do corpo, a qual, como um momento particular da antropologia teológica, se constitui sobre o fundamento da palavra de Deus que se revela como é. Procuraremos tirar essas conclusões durante o próximo encontro.

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Saudações

A uma peregrinação mexicana
Saúdo cordialmente a peregrinação mexicana, organizada pelo programa radiofónico "Caminos de la luz".
Queridos irmãos e irmãs: agradeço-vos sinceramente esta visita que, como as outras dos vossos compatriotas, me trazem o eco fiel dos dias intensos de graça, vividos em terras mexicanas. Desejo exortar-vos hoje a prosseguir fomentando no vosso interior os mesmos sentimentos de Jesus Cristo (cfr. Flp 2, 5 ss.), a luz verdadeira que, vindo ao mundo, iluminou todos os homens (cfr. Jo 1, 9) e mostrou o caminho que conduz à vida, à morada do Pai (ibid. 14, 1-6).
Ao voltardes para junto das vossas famílias, levai a todos a saudação do Papa e uma bênção especial.

Aos novos alunos do Pontifício Colégio Mexicano
Dou também as minhas cordiais boas-vindas aos novos alunos do Pontifício Colégio Mexicano.
Caríssimos: Oxalá a vossa estadia em Roma, que tem por fim completar a vossa formação, seja sempre grata aos olhos do Senhor. Tende sempre presente que fostes eleitos, como seus ministros, para serdes mensageiros e testemunhas fidedignas da vida nova em Cristo ressuscitado.
A vós e aos vossos formadores. urna Bênção especial.

Aos peregrinos das Dioceses de Pádua e de Aosta
Apraz-me dirigir agora cordiais boas-vindas aos dois grupos de peregrinos provenientes de duas antigas Igrejas locais, as Dioceses de Pádua e de Aosta. Caríssimos filhos, a vossa presença afirma a vitalidade da vossa fé e do vosso compromisso cristão. Faço votos por que este encontro romano, no centro da cristandade, marque uma ulterior etapa no vosso caminho de fé, assinalada pelo amor a Cristo, pela fidelidade à Igreja e pela caridade para com os irmãos. Quando voltardes para casa, levai para as vossas famílias e para o vosso trabalho a força dos bons propósitos hauridos no Túmulo de Pedro e através da viva voz do seu Sucessor, que agora vos fala. Para vós a minha Bênção.

A um grupo de ucranianos
Seja louvado Jesus Cristo!
A vós, que viestes a Roma para venerar os Túmulos dos Apóstolos por ocasião do 40° aniversário de episcopado do vosso e Nosso querido e venerável Cardeal José Slipyj, e que vedes nesta Sé Apostólica um sinal da vossa união com o Vigário de Cristo, uma especial saudação. A Nossa paternal saudação é também dirigida às vossas famílias, aos vossos Bispos, Sacerdotes, Religiosos e Religiosas, assim como a todos os Ucranianos que estão na Pátria e na diáspora. Deus, por intercessão da Virgem Mãe de Deus, vos assista na vossa vida cristã.
Seja louvado Jesus Cristo!

A duas peregrinações de Doentes das Marcas e do Molise (Itália)
Uma saudação, como sempre cordial, vai esta tarde para duas peregrinações de doentes, acompanhados pela Associação UNITALSI das Marcas e pela Associação dos Pais de diminuídos físicos e mentais, do Molise. A vossa presença recorda-me de modo particular a minha recente visita a Loreto, onde, entre as primeiras intenções da minha oração inseri a necessidade espiritual e física de vós que sofreis. Abençoo com todos vós, aqueles que com tanto amor vos tratam, vos assistem e vos confortam.

Aos membros do Capítulo Geral dos Cooperadores paroquiais de Cristo Rei
E agora dirijo uma particular saudação aos membros do Capítulo Geral dos Cooperadores paroquiais de Cristo Rei. Sabei, caríssimos filhos, que o Papa aprecia o contributo que dais à vida e às actividades da paróquia, "célula da diocese", como recordou o Concílio, o qual salientou também que "ela oferece um luminoso exemplo de apostolado 'comunitário', fundindo todas as diferenças humanas que nela se encontram e inserindo-as na universalidade da Igreja" (cfr. Decr. Apostolicam Actuositatem, 10).
Com a minha paternal Bênção Apostólica.

A uma peregrinação do Quénia
E agora a minha especial saudação à peregrinação organizada pelos Bispos do Quénia. Visitastes a terra que se tornou santa pelas vidas terrestres de nosso Senhor Jesus Cristo, da sua Mãe, e de muitos outros santos do Antigo e do Novo Testamento. Continuastes a vossa peregrinação vindo a Roma. São Lucas considerava a chegada de São Paulo a esta cidade um objectivo adequado para concluir a história do progresso da Igreja depois da ascensão de Jesus. A cidade devia ser santificada mais tarde velo martírio não só de São Paulo mas também de São Pedro, o primeiro dos apóstolos, a rocha sobre a qual Cristo construiu a sua Igreja.
Faço votos por que mediante esta peregrinação Deus vos conceda muitas graças para o espírito e o coração, graças que vos permitirão ser santos e levar a santidade a todo o vosso povo. Dou a minha bênção a vós, às vossas famílias, a todos aqueles que vos são queridos e a todo o vosso país.

Aos membros da Sociedade de São João
Sinto-me contente por saudar os membros da Sociedade de São João, fundada há 140 anos pelo célebre Padre Lacordaire com o fim de desenvolver a arte cristã. Encorajo-vos, queridos amigos, não só a fortalecerdes o laço fraternal e espiritual que vos une, mas também a dardes o vosso contributo para a promoção da arte sacra, a de ontem e a de hoje, a fazerdes que seja apreciada e a dar-lhe a devida honra, porque a arte sacra é sempre um caminho muito importante para lembrar o mistério cristão e levar as almas ao diálogo com Deus.
Abençoo-vos de todo o coração.

Aos participantes na IX Conferência internacional sobre a Automatização
Saúdo também os participantes na IX Conferência internacional sobre a Automatização, reunida para estudar os problemas inerentes à modernização da organização bancária. Deus vos ajude a realizar estes esforços como serviço à sociedade e abençoe as vossas famílias.

Aos Missionários da Sagrada Família
Dou especiais boas-vindas aos Missionários da Sagrada Família, aqui presentes, e que nestes dias se encontram reunidos num curso de renovação espiritual, e também aos alunos dos seminários de Francoforte, Mogúncia e Wulzburgo. Espero que este acontecimento impressionante, de ver a "Igreja de todo o mundo" aqui junto do Túmulo e da Cátedra de São Pedro, infunda gozo na vossa fé e na vossa vocação, e corrobore o vosso amor a Jesus Cristo e à sua Igreja.
Oxalá Cristo na sua bondade reforce a vossa vocação sacerdotal, a conserve e a conduza à perfeição, ao mesmo tempo que vos acompanha sempre a minha Bênção Apostólica.

Aos Jovens
Queridos rapazes e meninas! Chegue até vós, particularmente cordial e sentida, a minha saudação, a vós que vos debruçais para a vida, que estais cheios de vida, que esperais tudo da vida! Vós, de modo particular, estais presentes no meu afecto e na minha orarão. e eu exorto-vos a que vos mantenhais sempre unidos a Jesus! Ninguém pode apagar a presença de Jesus da história dos homens! Fazei de modo que Ele esteja sempre presente na vossa vida de cada dia com a sua graça, com a sua luz e com a sua consolação.
Por isto vos dou de todo o coração a minha Bênção.

Aos Doentes
Caríssimos Doentes! Dirijo a vós que sofreis com tanta paciência e resignação, a minha saudação reverente e afectuosa no Senhor!
Todos devemos confortar-nos com a presença de Cristo na história e na vida dos homens; mas especialmente vós que sofreis, e a quem tantas vezes faltam as consolações Jesus, o Verbo Encarnado, que quis sofrer e morrer na cruz, chagado, dessangrado, sedento, atormentado por pregos e espinhos, está sempre junto das vossas dores, recolhe as vossas lágrimas, escuta os vossos gemidos e assegura-vos que nenhum sofrimento se perde, se for unido ao seu amor e à sua obra redentora.
A presença contínua de Cristo em vós e convosco vos dê consolarão e serenidade, ao mesmo tempo que vos acompanha a minha Bênção.

Aos jovens Casais
Caríssimos jovens Casais! Também para vós reservo a minha saudação especial, unida às felicitações e, bons votos pela vossa nova vida!
É lógico que se dirijam aos jovens Casais bons votos de alegria imperecedoura no amor recíproco e na consecução dos comuns ideais que se propuseram.
Mas o segredo da vossa consolação está na presença de Cristo que vos uniu no matrimónio com a sua graça divina. Permanecei unidos em Cristo: eis os meus votos! A presença de Jesus, na vossa casa, no vosso amor, nas vossas escolhas, seja sempre a luz que vos ilumine e a consolação que vos alegre.
Com a minha Bênção e a minha constante benevolência.

Apelo
Desejo agora fazer-me, mais uma vez, intérprete da dor de uma família, atingida nos seus afectos mais queridos pela chaga, que alastra, dos sequestros de pessoa. Trata-se da família Casana, de Turim, à qual foram raptados há quase um mês, os dois filhos, Giorgio e Marina, respectivamente de 14 e 15 anos.
Como exprimir o desânimo e a execração perante este acto de violência sem nome que atinge, com determinação cruel, quem, devido à sua tenra idade, é mais frágil e inerme? Não terá ficado, no ânimo dos rapinadores, uma centelha de humanidade que os disponha a acolher este meu apelo à compreensão da ansiedade que dilacera o coração dos pais? Não posso consolar-me em pensar nisso, e por conseguinte, convido todos a que vos unais à minha oração, a fim de que o Senhor comova os responsáveis e os leve a restituir, quanto antes, os dois jovens, sãos e salvos, ao afecto da família.

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