domingo, 30 de outubro de 2011

FESTA DO DIVINO MESTRE

JOÃO 14,6 NO CONTEXTO DA ÚLTIMA CEIA



Algumas sugestões para leitura 


1. “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida”, faz parte da comunhão íntima entre Cristo e os Apóstolos na última Ceia. O ambiente é o Cenáculo, onde os sinóticos referem brevemente à instituição da Eucaristia, juntamente com alusões à traição de Judas e à iminente paixão de Cristo (cf. Mt 26,17-35; Mc 14,12-31; Lc 22,14-38), o quarto Evangelho que já dedicara ao pão eucarístico todo o capítulo 6, se estende, ao contrário, através de cinco capítulos (13-14-15-16-17), características por profunda unidade interna, a nos transmitirem o clima espiritual e as confidências de Cristo em torno da mesa da instituição eucarística. 

O axioma de Cristo “Caminho, Verdade e Vida” exige, pois, para uma justa e plena compreensão, a intimidade com Cristo, e mais especificamente, o clima eucarístico que eleva o olhar espiritual diretamente ao mistério da morte e ressurreição do Senhor. — Será bom ter presente, sob este aspecto, a radical orientação eucarística dada a toda a Família Paulina pelo Pe. T. Alberione. 



2. Note-se bem a intenção do evangelista João de dar forte relevo, nos cinco capítulos da revelação íntima de Cristo, ao seguinte: Trata-se de uma hora decisiva, na qual o amor atinge sua medida total e o mistério da relação entre o homem e Deus está para realizar em Cristo sua passagem definitiva. João insiste nesta hora. “Sabendo Jesus que chegara a hora de passar deste mundo para o Pai...” (13,1). “Agora foi glorificado o Filho do homem e Deus foi glorificado nele” (13,31). “Pai, chegou a hora, glorifica o teu Filho, para que teu Filho te glorifique” (17,1). 

Os cinco capítulos desta segunda parte do Evangelho, contexto do axioma proposto por Cristo que procuramos assimilar, estão, pois, impregnados do valor excepcional daquela hora, na qual se manifestam as diretrizes fortes do pensamento de Cristo e aquilo que deve ficar profundamente marcado no espírito de quem dele se aproxima. É de acordo com a força daquela hora que devemos apreender o valor radical de Cristo “Caminho, Verdade e Vida”. 



3. As observações de João oferecem, em seu conjunto, uma clara unidade de intenção e de pensamento, mesmo se, na transição de um argumento para outro (o Pai, a mediação de Cristo, a presença ativa e nova do Espírito, a imersão vital em Cristo, o difícil e dramático relacionamento com o mundo, a relação pessoal entre os apóstolos etc), nem sempre se encontre o nexo lógico e espontâneo que desejaríamos encontrar. São observações preciosíssimas, ruminadas no coração de João e devemos lê-las como apontamentos. Há profundidades inesperadas. Cada passagem é como um fio de per si, embora na unidade de um tecido misterioso, forte e bem conexo. Sua leitura é difícil e empenha. 

Um sereno e constante retorno aos temas daquela hora assegurar-nos-á captarmos pouco a pouco a unidade profunda do discurso de Cristo que introduz agora os apóstolos e os crentes no fluxo da vitalidade de Deus Pai, Filho e Espírito Santo. 



4. Convém jamais subestimar a intenção crítica de toda a atitude prática e didática de Cristo naquela hora. Cristo se empenha em romper, em ir mais a fundo. É evidente que quer levar os apóstolos a uma superação decisiva de visão e introduzi-los em uma tomada de consciência bastante mais clara acerca do alcance de sua Pessoa e de seu mistério. A autodefinição “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” é um momento essencial do convite global feito aos discípulos naquela tarde, de passarem de uma adesão instintiva e cordial, mas ainda superficial e mesmo destituída de conteúdo, a uma percepção e uma meditação mais profunda e crítica da sequela dele, na qual ingressaram. Os termos “Caminho, Verdade e Vida”, inesperados para os apóstolos, intencionalmente mais extensos do que o tema que lhes foi proposto (“conheceis o caminho”), mesmo se for incapaz de suscitar neles, no momento, uma reação em profundidade, estão destinados a propor uma interrogação mais complexa, para encaminhar a uma mais profunda conscientização cristã. 

Quando nos esforçarmos por aprofundar os termos básicos de nossa espiritualidade, não faremos outra coisa senão aderir cada vez mais ao convite de superar vistas superficiais, limitadas, instintivas, rotineiras do mistério cristão para aguçarmos o olhar da fé e conhecermos a fundo a Pessoa e o mistério de Cristo. 



5. Se queremos, ao lermos os cinco capítulos referentes a esta “hora”, antecipar a interpretação prática sempre dada pelo Pe. T. Alberione do trinômio “Caminho, Verdade e Vida” (no sentido de “fazer, ensinar e rezar”), poderemos realçar, justamente em seu contexto, uma realização perfeita, talvez insuperável. Diz Pe. Alberione: Jesus faz sempre três coisas: Primeiro age, “Eu sou o Caminho”; depois ensina: “Eu sou a Verdade”; depois adquire e confere a graça para segui-lo: “Eu sou a Vida” (Pr DM 23). 

Os cinco capítulos que nos propusemos ler, correspondem com precisão a esse processo fundamental : 

Capítulo 13: Jesus age (lava-pés); 

Capítulos 14-16: Jesus ensina (catequese da hora suprema); 

Capítulo 17: Jesus reza (oração sacerdotal do Senhor, no encerramento da “hora” de confidências e no momento de se entregar ao mistério da morte e da ressurreição). 

Em toda a leitura bíblica e cada vez que nos pomos em contato com Cristo, é proveitoso ter presente esta sequência de atitudes e esta advertência de plenitude. 



6. Mister se faz, portanto, notar com toda a atenção, que o discurso inteiro no qual Cristo emerge como “Caminho, Verdade e Vida”, tem por centro e por fim a relação com o Pai. Esta intenção constitui a unidade profunda de tudo aquilo que foi feito e dito por Cristo naquela tarde, quando “veio sua hora de passar deste mundo ao Pai” (13,1). Lendo sob este prisma os cinco capítulos, poderemos apreender-lhes a unidade perfeita e identificar o valor autêntico do trinômio de Cristo. Trata-se do problema humano apanhado pela raiz e conduzido a uma solução: a comunhão dos homens com Deus, a sua total liberação. A comunhão é um fato de amor; a liberdade neste mundo é própria daqueles que têm a consciência e a atitude de “filho de Deus”. Cristo, “Filho”, é o verdadeiro intermediário. Desse movimento profundo, revolucionário e salvífico, que os homens devem compreender, ele é o Caminho, a Verdade e a Vida. 

Quando meditarmos sobre Cristo, Caminho, Verdade e Vida, tendo bem claro este tema fundamental da relação com Deus Pai, sentiremos perfeitamente o liame existente entre esta declaração de Cristo e toda a doutrina do Apóstolo Paulo: a história da salvação vista como “passagem de escravos a filhos”; a doutrina da “adoção”; a previsão de podermos-nos “tornar herdeiros de Deus, coerdeiros de Cristo”; a comovedora apresentação do Espírito à procura de nos atingir no íntimo e fazer-nos clamar “Abba, Pai!”; o plano de Deus, na predestinação de nos tornar “conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos”; a doutrina da liberação humana em Cristo e mediante a ação do Espírito, pelo qual todos (de qualquer proveniência étnica) “temos acesso ao Pai num mesmo Espírito” etc. 

Este tipo de leitura, para o qual convergem os raios de luz das páginas paulinas, far-nos-á compreender a afirmação frequente do Pe. Alberione de que “o espírito paulino” se concentra em Cristo Caminho, Verdade e Vida. Há, de fato, um nexo substancial entre a doutrina de são Paulo sobre a liberação e a adoção de filhos e a perspectiva contida na afirmação de Cristo: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida: ninguém chega ao senão por mim”. 



7. Será possível ler o discurso de Cristo durante a última Ceia, partindo do homem, isto é, de sua problemática hodierna, de suas pesquisas dos temas que lhe interessam diretamente neste tempo? Dizemos até mesmo que é necessário ze-lo; somos homens e devemos empreender um diálogo de vida com todos os homens, nossos irmãos. 

Os três termos específicos de nosso encontro com Cristo, Caminho, Verdade e Vida, podem parecer três termos abstratos: mas, não há dúvida que neles se encontram inteiramente as grandes diretrizes de toda a problemática humana. Caminho: o movimento complexo, matizado, inquieto do homem e da história, em contínua busca de solução, de liberação. Verdade: todo o esforço, em constante expansão, do pensamento e da procura humana, em todas as direções do saber, particularmente na referente ao homem e aos valores que se lhes apresentam pelo caminho. Vida: a essência e a sobrevivência do homem, o pão, a liberdade, o amor, os valores... Todo o problema humano, na hora de Cristo, aparta-se do caráter abstrato da busca, supera a fase da palavra e da incerteza e centraliza-se na Pessoa de Jesus. Ele é a solução integral. Aqueles três termos cessam de ser abstratos, e se tornam sem limites concretos, à medida do homem; até se fazem “homem”, em Cristo, Filho do homem e Filho de Deus. 



8. O discurso de Cristo tem, enfim, alcance apostólico. Todos aqueles que acolhem em si o valor integral da obra salvífica de Cristo, tornar-se-ão testemunhas e transmissores para os homens. Esta tarefa será levada a cabo mediante o dom e a força do Espírito que revelará progressivamente aos fiéis a importância da figura de Cristo e a imensa eficácia de sua obra de salvação. 

Esses homens serão lançados de cheio no drama humano. Em cada caminho do homem em peregrinação, em cada atalho da busca e do pensamento humano, em cada anelo da vida, nos matizes infinitos com os quais esta se apresenta, eles procurarão fazer convergir as pegadas, as luzes, as valorizações eternas de Cristo. Defrontarão com uma difícil e resistente mentalidade de homens que rejeitam a Cristo. Mas, seguindo as moções do Espírito, levarão em si e comunicarão aos outros a certeza de que sempre, entre dores de parto, se esconde a esperança da vida. 



(Pe. Roatta, Jesus Mestre Caminho, Verdade e Vida, pp. 39-44. Edições Paulinas, 1976)

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