"Deus habita em seu templo santo, reune seus filhos
em sua casa; é ele quem dá força e poder a seu povo."
(Antífona de Entrada)
Leituras: 2Rs 4,42-44; Sl 144(145),10-11.15-16.17-18 (R/. cf. 16); Ef 4,1-6; Jo 6,1-15
Salta à vista o tema do pão na
liturgia de hoje: ele aparece claramente na primeira leitura e no evangelho e,
de modo implícito, está presente também no salmo. Na tradição bíblia, o pão
recorda duas coisas importantíssimas. Lembra-nos, primeiramente, que não somos
auto-suficientes, não possuímos a vida de modo absoluto: devemos sempre
renová-la, lutar por ela. O homem não se basta a si próprio; precisa do pão de
cada dia. E aqui, um segundo importante aspecto: o homem não pode, sozinho,
prover-se de pão: é Deus quem faz a chuva cair, quem torna o solo fecundo, quem
dá vigor à semente. Assim, a vida humana está continuamente na dependência do
Senhor. Portanto, meus caros, todos necessitamos do pão nosso de cada dia – e
este é dom de Deus. “O que tens tu, ó homem, que não tenhas recebido? E, se
recebeste, do que, então, te glorias?”
Desse modo, caríssimos irmãos em
Cristo, Jesus, ao multiplicar os pães, apresenta-se como aquele que dá vida,
que nos sacia com o sentido da existência – sim, porque não há vida de verdade
para quem vive sem saber o sentido do viver! – Dá-nos, Jesus a vida física, a
vida saudável, mas dá-nos, mais que tudo, a razão verdadeira de viver uma vida
que valha a pena!
Mas, acompanhemos com mais
detalhes a narrativa do Quarto Evangelho. Jesus, num lugar deserto, estando
próxima a Páscoa, Festa dos judeus, manda o povo sentar-se sobre a relva verde,
toma uns pães e uns peixes, dá graças, parte, e os distribui… multiplicando os
pães e os peixes. Todos comeram e ficaram saciados. Não aparece no evangelho
deste Domingo, mas sabemos, pela continuação do texto de São João, que o povo,
após o milagre, foi à procura do Senhor e ele recriminou duramente a multidão:
“Vós me procurais não porque vistes os sinais, mas porque comestes pão e
ficastes saciados!” Que sinal o povo deveria ter visto? Recordemos que no final
do trecho que escutamos no evangelho o povo exclama: “Este é verdadeiramente o
profeta que devia vir ao mundo”. Eis: o povo até que começou a discernir o
sentido do milagre de Jesus; mas, logo depois, fascinado simplesmente pelo pão
material, pelas necessidades de cada dia, esquece o sinal. Insistimos: que
sinal? Primeiro, que Jesus é o Novo Moisés, aquele profeta que o próprio Moisés
havia anunciado em Dt 11,18: “O Senhor Deus suscitará no vosso meio um profeta
como eu”. Pois bem: como Moisés, Jesus reúne o povo num lugar deserto, como
Moisés, sacia o povo com o pão… Mas, Jesus é mais que Moisés: ele é o
Deus-Pastor que faz o rebanho repousar em verdes pastagens (“Havia muita relva
naquele lugar… Jesus mandou que o povo se sentasse…”) e lhe prepara uma mesa.
Era isso que o povo deveria ter compreendido; foi isso que não compreendeu…
E nós, compreendemos os sinais de
Cristo em nossa vida? Somos capazes de descortinar o sentido dos seus gestos,
seja na alegria seja na tristeza, seja na luz seja na treva? Os gestos de Jesus
na multiplicação dos pães é também prenúncio da Eucaristia. Os quatro gestos
por ele realizados – tomou o pão, deu graças, partiu e deu – são os gestos da
Última Ceia e de todas as ceias que celebram o sacrifício eucarístico do
Senhor: na apresentação das ofertas tomamos o pão, na grande oração eucarística
(do prefácio à doxologia – “Por Cristo, com Cristo…”) damos graças, no
“Cordeiro de Deus” partimos e na comunhão distribuímos. Eis a Missa: o
tornar-se presente dos gestos salvíficos do Senhor, dado em sacrifício e
recebido em comunhão.
Vivendo intensamente esse
Mistério, nos tornamos realmente membros do corpo de Cristo, que é a Igreja.
Cumprem-se em nós, de modo real, as palavras do Apóstolo: “Há um só Corpo e um
só Espírito, como também é uma só a esperança a que fostes chamados. Há um só
Senhor, uma só fé, um só batismo, um só Deus e Pai de todos, que reina sobre
todos, age por meio de todos e permanece em todos”. Eis, caríssimos! Que o
bendito Pão do céu, neste sinal tão pobre e humilde do pão e do vinho
eucarísticos, nos faça compreender e acolher a constante presença do Senhor
entre nós e nos dê a graça de vivermos de verdade a vida de Igreja, sendo um
sinal seu no meio do mundo. Amém.
D. Henrique Soares da Costa, bispo auxiliar da Arquidiocese de Aracaju - SE
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