quinta-feira, 18 de outubro de 2012

SÃO LUCAS, EVANGELISTA



“São Lucas transmitiu-nos o Evangelho do Senhor,
e anunciou-nos Jesus Cristo, Sol nascente lá do alto.”
(Antífona do cântico evangélico das laudes)

Leituras: 2Tm 4,10-17b; Sl 144(145),10-11.12-13ab.17-18 (R/. 12ª); Lc 10,1-9

Lucas é um dos quatro evangelistas. O seu Evangelho é reconhecido como o do amor e da misericórdia. Foi escrito sob o signo da fé, nos tempos em que isso podia custar a própria vida. Mas falou em nascimento e ressurreição, perdão e conversão, na salvação de toda a humanidade. Além do terceiro evangelho, escreveu os Atos dos Apóstolos, onde registrou o desenvolvimento da Igreja na comunidade primitiva, relatando os acontecimentos de Jerusalém, Antioquia e Damasco, deixando-nos o testemunho do Cristo da bondade, da doçura e da paz.

Lucas nasceu na Antioquia, Síria. Era médico e pintor, muito culto, e foi convertido e batizado por são Paulo. No ano 43, já viajava ao lado do apóstolo, sendo considerado seu filho espiritual. Escreveu o seu Evangelho em grego puro, quando são Paulo quis pregar a Boa-Nova aos povos que falavam aquele idioma. Os dois sabiam que mostrar-lhes o caminho na própria língua facilitaria a missão apostólica. Assim, através de seus escritos, Lucas tornou-se o relator do nascimento de Jesus, o principal biógrafo da Virgem Maria e o primeiro a expressá-la através da pintura.

Quando das prisões de são Paulo, Lucas acompanhou o mestre, tanto no cárcere como nas audiências. Presença que o confortou nas masmorras e deu-lhe ânimo no enfrentamento do tribunal do imperador. Na segunda e derradeira vez, Paulo escreveu a Timóteo que agora todos o haviam abandonado. Menos um. "Só Lucas está comigo" E essa foi a última notícia certa do evangelista.

A tradição cristã diz-nos que depois do martírio de são Paulo o discípulo, médico e amigo Lucas continuou a pregação. Ele teria seguido pela Itália, Gálias, Dalmácia e Macedônia. E um documento traduzido por são Jerônimo trouxe a informação que o evangelista teria vivido até os oitenta e quatro anos de idade. A sua morte pelo martírio em Patras, na Grécia, foi apenas um legado dessa antiga tradição.

Todavia, por sua participação nos primeiros tempos, ao lado dos apóstolos escolhidos por Jesus, somada à vida de missionário, escritor, médico e pintor, transformou-se num dos pilares da Igreja. Na suas obras, Lucas dirigia-se a um certo Teófilo, amigo de Deus, que tanto poderia ser um discípulo como uma comunidade, ou todo aquele que entrava em contato com a mensagem da Boa-Nova através dessa leitura. Com tal recurso literário, tornou seu Evangelho uma porta de entrada à salvação para todos os povos, concedendo o compartilhamento do Reino de Deus por todas as pessoas que antes eram excluídas pela antiga lei.

Oração
Ó Deus, que escolhestes São Lucas para revelar em suas palavras e escritos o mistério do vosso amor para com os pobres, concedei aos que já se gloriam do vosso nome perseverar num só coração e numa só alma, e a todos os povos do mundo ver a vossa salvação. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo. Amém.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Santo Inácio de Antioquia, bispo e mártir



“Eu procuro Aquele que por nós deu a vida,
e desejo Aquele que por nós ressurgiu.”
(Antífona do cântico evangélico das laudes)

No centro do Coliseu romano, o bispo cristão aguarda ser trucidado pelas feras, enquanto a multidão exulta em gritos de prazer com o espetáculo sangrento que vai começar. Por sua vez, no estádio, cristãos incógnitos, misturados entre os pagãos, esperam, horrorizados, que um milagre salve o religioso. Os leões estão famintos e excitados com o sangue já derramado na arena. O bispo Inácio de Antioquia, sereno, esperava sua hora pronunciando com fervor o nome do Cristo.

Foi graças a Inácio que as palavras cristianismo e Igreja Católica surgiram. Era o início dos tempos que mudaram o mundo, próximo do ano 35 da era cristã, quando ele nasceu. Segundo os estudiosos, não era judeu e teria sido convertido pela primeira geração de cristãos, os apóstolos escolhidos pelo próprio Jesus. Cresceu e foi educado entre eles, depois sucedeu Pedro no posto de bispo de Antioquia, na Síria, considerada a terceira cidade mais importante do Império Romano, depois de Roma e Alexandria, no Egito. Gostava de ser chamado Inácio Nurono. Inácio deriva do grego "ignis", fogo, e Nurono era nome que ele mesmo dera a si, significando "o portador Deus". Desse modo viveu toda a sua vida: portador de Deus que incendiava a fé.

Mas sua atuação logo chamou a atenção do imperador Trajano, que decretou sua prisão e ordenou sua morte. Como cristão, deveria ser devorado pelas feras para diversão do povo ávido de sangue. O palco seria o recém-construído Coliseu.

A viagem de Inácio, acorrentado, de Antioquia até Roma, por terra e mar, foi o apogeu de sua vida e de sua fé. Feliz por poder ser imolado em nome do Salvador da humanidade, pregou por todos os lugares por onde passou, até no local do martírio. Sua prisão e condenação à morte atraiu todos os bispos, clérigos e cristãos em geral, de todas as terras que atravessou. Multidões juntavam-se para ouvir suas palavras. Durante a viagem final, escreveu sete cartas que figuram entre os escritos mais notáveis da Igreja, concorrendo em importância com as do apóstolo Paulo. Em todas faz profissão de sua fé, e contêm ensinamentos e orientações até hoje adotados e seguidos pelos católicos, como ele tão bem nomeou os seguidores de Jesus.

Numa dessas cartas, estava o seu especial pedido: "Deixai-me ser alimento das feras. Sou trigo de Deus. É necessário que eu seja triturado pelos dentes dos leões para tornar-me um pão digno de Cristo". Fazia-o sabendo que muitos de seus companheiros poderiam influenciar e conseguir seu perdão junto ao imperador. Queria que o deixassem ser martirizado. Sabia que seu sangue frutificaria em novas conversões e que seu exemplo tocaria o coração dos que, mesmo já convertidos, ainda temiam assumir e propagar sua religião.

Em Roma, uma festa que duraria cento e vinte dias tinha prosseguimento. Mais de dez mil gladiadores dariam sua vida como diversão popular naquela comemoração pela vitória em uma batalha. Chegada a vez de Inácio, seus seguidores e discípulos esperavam, ainda, o milagre.

Que não viria, porque assim desejava o bispo mártir. Era o dia 17 de outubro de 107, sua trajetória terrena entrava para a história da humanidade e da Igreja.

Oração
Deus eterno e todo poderoso, que ornais a vossa Igreja com o testemunho dos mártires, fazei que a gloriosa paixão que hoje celebramos, dando a Santo Inácio de Antioquia a glória eterna, nos conceda contínua proteção. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo. Amém.

Fui em peregrinação ao Santuário vivo do Povo de Deus



JOÃO PAULO II
AUDIÊNCIA GERAL
Quarta-feira, 17 de Outubro de 1979

1. «O Bispo, que visita as comunidades da sua Igreja, é o autêntico peregrino que chega àquele particular santuário do Bom Pastor, que é o Povo de Deus, participante do sacerdócio real de Cristo. Mais, este santuário é cada homem cujo 'mistério' somente se explica e se resolve 'no mistério do Verbo encarnado'» (Gaudium et Spes, 22)

Ofereceu-se-me ocasião de pronunciar as sobreditas palavras na Capela Matilde, quando o Papa Paulo VI me convidou a pregar os exercícios espirituais no Vaticano.

Estas palavras vêm-me de novo à mente hoje, porque parecem encerrar em si o que foi o conteúdo mais essencial da minha viagem à Irlanda e aos Estados Unidos, viagem a que deu ocasião o convite do Secretário-Geral da ONU.

Esta viagem, em ambas as etapas, foi, por sinal, autêntica peregrinação ao santuário vivo do Povo de Deus.
Se o ensinamento do Concílio Vaticano II nos permite olhar assim para todas as visitas do Bispo a uma paróquia, o mesmo se poderá dizer também desta visita do Papa. Julgo ter especial obrigação de expressar-me sobre este tema. Muito desejo também que aqueles que me acolheram com tanta hospitalidade saibam que procurei encontrar-me na intimidade com aquele mistério que foi e continua a ser modelado por Cristo, Bom Pastor, nas suas almas, na sua história e na sua comunidade. Para dar relevo a esta verdade, decidi interromper, nesta quarta-feira, o ciclo de reflexões a respeito das palavras de Cristo sobre o tema do matrimónio. Retomá-lo-emos daqui a uma semana.

2. Quero, primeiro que tudo, dar testemunho do encontro com o mistério da Igreja na terra irlandesa. Não esquecerei nunca aquele lugar, em que parámos brevemente, nas horas da manhã do domingo, 30 de Setembro: Clonmacnois. As ruínas da abadia e do templo falam da vida que aí pulsava outrora. Trata-se dum daqueles mosteiros, cujos monges irlandeses não só enxertaram o Cristianismo na Ilha Verde, mas donde também o levaram aos outros Países da Europa. Difícil é olhar para esse conjunto de ruínas apenas como monumento do passado; gerações inteiras da Europa devem-lhes a luz do Evangelho e a base fundamental da sua cultura. Essas ruínas continuam a ter uma grande missão. Constituem sempre um estímulo. Falam sempre daquela plenitude de vida, a que nos chamou Cristo. É difícil que um peregrino chegue àqueles locais sem que esses vestígios do passado, aparentemente morto, revelem uma dimensão, permanente e não perecedoira, da vida. É assim a Irlanda: no âmago tem a missão perene da Igreja, a que deu começo São Patrício.

Peregrinando no seguimento das suas pegadas, caminhámos em direcção da Sé primacial de Armagh, e detivemo-nos, no percurso, em Drogheda, onde para essa ocasião estavam solenemente expostas as relíquias de Santo Olivério Plunkett, Bispo e Mártir. Só ajoelhando-nos diante daquelas relíquias podemos exprimir toda a verdade sobre a Irlanda histórica e contemporânea, e pode-mos tocar também nas suas feridas, com a esperança de que elas cicatrizem e não impeçam a todo o organismo pulsar com plenitude de vida. Tocamos também, na verdade, os dolorosos problemas contemporâneos, mas não interrompemos o peregrinar através daquele magnífico santuário do Povo de Deus, que se abre diante de nós, em tantos lugares, em tantas maravilhosas assembleias litúrgicas, durante as celebrações da Eucaristia em Dublim, em Galway, em Knock santuário mariano, em Maynooth e em Limerick. Em particular, tenho e terei sempre presente no meu espírito também o encontro com o Presidente da Irlanda, Senhor Patrick J. Hillery, e com as ilustres Autoridades daquela Nação. Recordem-se todos aqueles, com quem me encontrei — sacerdotes, missionários, irmãos e irmãs religiosas, alunos, leigos, esposos e pais, a juventude irlandesa, os doentes, todos — recordem-se sobretudo os amados irmãos no Episcopado, de que eu estive presente no meio deles como peregrino, de visita ao Santuário do Bom Pastor, que habita na universalidade do Povo de Deus; e recordem-se que fui atravessando aquele magnífico leito da história da salvação, que desde os tempos de São Patrício foi a Ilha Verde, e que o fiz levando a cabeça inclinada e o coração agradecido, na procura, juntamente com as pessoas referidas, dos caminhos que orientam para o futuro.

3. O mesmo quero também dizer aos meus Irmãos e às minhas Irmãs de além Oceano. Jovem é ainda essa Igreja, porque jovem é a sua grande sociedade: passaram só dois séculos da sua história no mapa político do globo. Desejo agradecer-lhes a todos o acolhimento que me reservaram; a resposta que deram a esta visita e a esta presença, necessariamente breve. Confesso ter ficado surpreendido com tal acolhimento e com tal resposta. Mantivemo-nos debaixo de chuva a cântaros, durante a Missa para os jovens, na primeira tarde em Boston. A chuva acompanhou-nos pelas ruas daquela cidade, assim como depois pelas de Nova Iorque, entre os arranha-céus. Aquela chuva não impediu muitos homens de boa vontade que perseverassem na oração, que esperassem ó momento da minha chegada, a minha palavra e a minha bênção.

Para mim ficarão inesquecíveis: os bairros de Harlem, com a maioria da população negra; de South Bronx, com os recém-chegados dos Países da América Latina; os encontros com a juventude no Madison Square Garden e no Battery Park, debaixo de chuva torrencial e tempestade furiosa, e no Estádio em Brooklyn, quando finalmente apareceu o sol; na véspera, o grande Yankee Stadium, cheio até ao máximo para a participação na liturgia eucarística; e depois, a ilustre Filadélfia, a primeira capital dos Estados independentes, com o seu sino da liberdade e talvez quase dois milhões de participantes na Santa Missa da tarde, no centro mesmo da cidade; o encontro com a América rural em Des Moines; em seguida, Chicago, onde, de modo mais apropriado se pôde desenvolver a analogia sobre o argumento «e pluribus unum»; e, por fim, a cidade de Washington, capital dos Estados Unidos, com todo o sobrecarregado programa até à última Missa, tendo-se o Capitólio à vista.

O Bispo de Roma, como peregrino, entrou, seguindo as pegadas do Bom Pastor, no Seu santuário do novo continente e procurou viver, junto a vós, a realidade da Igreja, que brota do ensinamento do Concílio Vaticano II, com toda a profundidade e rigor que esta doutrina traz consigo. Parece, na realidade, que tudo isto foi sobretudo acompanhado por uma grande alegria, pelo facto de sermos esta Igreja; de sermos o Povo, a que o Pai oferece redenção e salvação no Seu Filho e no Espírito Santo. A alegria de - entre todas as tensões da civilização contemporânea, da economia e da política — se dar exactamente tal dimensão da existência humana sobre a terra; e de nós participarmos nela. E embora no pensamento nos orientemos ainda para essas tensões, que desejamos se resolvam de modo humano e digno, todavia a divina alegria do Povo — que toma consciência de ser o Povo de Deus e, dentro deste carácter, procura a própria unidade — é maior e está cheia de esperança.

4. Neste contexto, também as palavras pronunciadas diante da Organização das Nações Unidas se tornaram fruto particular da minha peregrinação sobre estas importantes etapas da história de toda a Igreja e do Cristianismo. Que outra coisa podia eu dizer perante aquele supremo «Forum» de carácter político, senão aquilo que forma a medula mesma da mensagem evangélica? As palavras de grande amor pelo homem. que vive nas comunidades de tantos povos e nações, dentro das fronteiras de tantos Estados e tantos sistemas políticos. Se a actividade política, nas dimensões de cada Estado e nas dimensões internacionais, deve assegurar um primado real ao homem sobre a terra e deve servir a verdadeira dignidade dele, precisa do testemunho do espírito e da verdade, prestado pelo Cristianismo e pela Igreja. Por isso, em nome do Cristianismo e da Igreja, estou agradecido a todos os que a 2 de Outubro de 1979 quiseram escutar as minhas palavras na sede da ONU em Nova Iorque. Como também estou profundamente reconhecido pelo acolhimento que me foi reservado, a 6 de Outubro, pelo Presidente dos Estados Unidos, Senhor Jimmy Carter, no histórico encontro na Casa Branca, com ele e a sua querida Família, e ainda com todas as altas Autoridades lá reunidas.

5. Somos servos inúteis, fizemos o que devíamos fazer (Lc. 17, 10). Assim ensinava Cristo aos apóstolos. Também eu, com estas palavras que provêm do meu mais profundo convencimento, ponho termo a esta alocução de hoje, cuja necessidade me foi ditada pela importância da minha última viagem. Pelo menos deste modo pague eu aquela grande dívida que contraí com o Bom Pastor e com aqueles que abriram os caminhos do meu peregrinar.

***

Saudação

A vários grupos de peregrinos
Com particular afecto dirijo uma especial saudação a vós, Religiosas e leigas, membros da numerosa peregrinação vinda a Roma para a beatificação do sacerdote Henrique de Ossó y Cervelló.
Sei que viestes, em grande parte, da Espanha, mas também do México, Venezuela, Colômbia, Paraguai, Uruguai, Argentina, Chile, Itália, França, Portugal, Angola, Brasil e Estados Unidos.
Vivestes aqui dias de intensa alegria interior, tanto vós Religiosas da Companhia de Santa Teresa de Jesus, como as alunas, ex-alunas e amigos que vos acompanharam nestes dias tão dignos de memória.
Oxalá a recordação destes dias, e sobretudo o exemplo admirável do Beato Henrique de Ossó, sejam para todas vós uma chamada perene para as metas cada vez mais elevadas de espiritualidade, de entrega generosa à difusão do Reino de Cristo e de inserção fecunda nos vossos respectivos ambientes de trabalho.

A peregrinos de Vitória (Espanha)
Uma cordial saudação quero fazer chegar aos componentes da peregrinação da cidade de Vitória.
Alegra-me muito saber que viestes a Roma para celebrar os 25 anos da Coroação canónica da Virgem Branca, Padroeira de Vitória.
Animo-vos a cultivar sempre com esmero a devoção à Santíssima Virgem Maria, de tal modo que Ela vos conduza a Cristo, o Salvador. Oxalá Ela vos conceda também esse verdadeiro espírito filial que considera todos, sem limites nem distinção, irmãos em Cristo e filhos da doce Mãe da Igreja.
Juntamente com as minhas saudações para as Autoridades aqui presentes, exprimo-vos a minha profunda estima e concedo-vos, a vós e a todos os filhos da querida província de Alava, a minha especial Bênção.

Aos peregrinos da região apostólica `Midi-Pyrénées"
 e da diocese de Digne (França)
E agora dirijo-me aos peregrinos franceses da região apostólica "Midi-Pyrénées" e também aos da diocese de Digne. Exprimo-vos a minha alegria, a minha grande alegria por receber a vossa visita, antes de ir, talvez um dia, se Deus quiser, ao vosso país encorajar e estimular a fé dos vossos compatriotas. E prometo-vos também rezar por vós, para que a vossa peregrinação vos dê forças novas no testemunho que deveis prestar perante Deus e perante os homens: mostrai-vos convictos, não hesiteis, estai contentes por crer e proclamar tudo o que recebestes da Igreja. Deveis enfrentar muitos problemas que neste momento dizem respeito à clareza e à fidelidade. Obrigado, obrigado por aquilo que cada um de vós, do mais humilde ao que tem sobre si o peso das responsabilidades, fará para anunciar generosamente a Boa Nova.

Aos fiéis provenientes da Suíça Romanda
Queridos Irmãos e Irmãs da Suíça Romanda.
Mesmo que quisesse não vos poderia esquecer. Os meus guardas chamar-me-iam à ordem! Podeis adivinhar com quanta satisfação o Papa vos recebe e se encontra com o vosso Bispo D. Pierre Mamie. Quereis certamente confiar-me muitas intenções, as vossas preocupações pelo apostolado, os vossos projectos pastorais, as vossas famílias, os vossos amigos. Tudo isto que trazeis no fundo do coração apresentarei ao Senhor e à Santíssima Virgem. Da minha parte, permanecerei unido a vós, por meio da oração, nas vossas tarefas quotidianas, na vossa vida pessoal e nos vossos compromissos eclesiais, prolongando assim de qualquer modo o nosso encontro de hoje.

A peregrinação de doentes do combóio austríaco
Saúdo com especial cordialidade os numerosos doentes e o pessoal que os acompanha, do combóio austríaco da peregrinação organizada pelo Serviço de socorro da Soberana Ordem Militar de Malta. Aos irmãos e irmãs provados por sofrimentos e necessidades dirijo sempre a minha especial atenção nas audiências gerais. Quando o auxílio do homem se revela ineficaz, exorto-vos a terdes ainda mais confiança em Deus e na sua amorosa providência e bondade. Ele .sabe transformar a dor e os sofrimentos. e até mesmo a morte — segundo o exemplo e pela graça da salvação em Cristo — em nosso benefício. Por conseguinte, peço para vós ao Senhor coragem, fé e confiança consoladora, assim como a proximidade corroborante de Deus, e concedo-vos de coração, a todos vós e àqueles que vos acompanham, a Bênção Apostólica.

Aos responsáveis da União Apostólica do Clero
Uma saudação fraterna e cordial aos Responsáveis da União Apostólica do Clero, aos Conselheiros internacionais e aos Directores nacionais, provenientes de 44 nações de todas as partes do mundo, que se encontram reunidos nestes dias em Roma numa importante Assembleia Internacional da Associação.
Caríssimos sacerdotes! Agradeço-vos sentidamente a vossa presença na Audiência geral, junto do povo de Deus! Sabei que sigo o vosso trabalho com ânsia de pai e de amigo, e aprecio a vossa obra, como .lá o fizeram os meus Prede¬cessores, porque, especialmente o Clero diocesano, nas várias situações do seu ministério, tem necessidade de auxílio fraterno e concreto.
De facto a União Apostólica quer ser precisamente um auxílio aos sacerdotes para viverem de modo mais completo e autêntico a espiritualidade típica do ministro de Cristo; quer ser um serviço, a fim de que as directrizes do Papa e do Bispo sejam fielmente recebidas e executadas com espírito de generosidade e convicção; e por fim quer ainda ser um ideal para que o sacerdote necessitado de apoio espiritual e de amizade elevadora para manter firmes os compromissos da sua consagração, saiba onde o encontrar.
Quanto é, pois, necessária, especialmente hoje, a vossa obra! Continuai no vosso intento em todas as nações onde trabalhais. O Sagrado Coração de Jesus vos ilumine e vos encoraje! Maria Santíssima, a quem os sacerdotes se confiam de modo particular, nas suas alegrias e nas suas tribulações, vos inspire! Faço votos por que a União Apostólica possa contribuir com eficácia para que se realize entre o clero a unidade de doutrina, de caridade e de disciplina, absolutamente necessária para a Evangelização.
De coração vos abençoo assim como a todos os membros da União.

Aos Superiores Provinciais
do Instituto dos Irmãos Maristas das Escolas
Tenho o prazer de dirigir agora a minha saudação ao grupo dos Superiores Provinciais do Instituto dos Irmãos Maristas das Escolas, chamados também Irmãozinhos de Maria, os quais, juntamente com o Superior-Geral, Frei Basílio Rueda Guzman, se reuniram em Roma para discutir juntos os problemas que dizem respeito à Congregação perante as hodiernas exigências espirituais e pastorais do mundo moderno.
Caríssimos irmãos, agradeço-vos de coração esta visita e, ao mesmo tempo, manifesto-vos também o meu apreço e encorajamento pela vossa presença na Igreja católica, pela terna devoção a Maria, de quem toma o nome e em quem se inspira o vosso Instituto, e pela vossa benemérita actividade no campo da instrução e da educação cristã da juventude nas escolas, nos internatos, nos externatos e nos orfanatos, espalhados pelos cinco continentes, sem excluir as terras de missão.
O Senhor Jesus vos ilumine nos trabalhos desta vossa Conferência Geral, para responderdes cada vez mais às imensas necessidades das almas, que encontrais ao longo dos caminhos do mundo; a Virgem Maria, Sede da Sapiência, vos guie cada vez para mais perto de Jesus para vossa alegria e bem dos homens, por Ele remidos, de modo que possais realizar plenamente o que está escrito no mote do vosso Instituto: Ad Iesum per Mariam.
Com esse fim concedo-vos uma Bênção especial que de boa vontade faço extensiva a todos os membros da vossa Congregação.

Aos participantes no Congresso Internacional sobre o tema "A violência contra os anciãos. Os anciãos contra a violência"
E agora dirijo-me ao numeroso grupo de participantes no Congresso internacional subordinado ao tema "A violência contra os anciãos. Os anciãos contra a violência".
Caríssimos, saúdo-vos todos cordialmente e exprimo-vos o meu sincero apreço pelas vossas iniciativas, destinadas a estudar e a promover a condição das pessoas anciãs, um dos problemas mais urgentes na sociedade actual. Estou de facto convencido de que o respeito e o amor pela pessoa anciã são índice evidente e garantia segura do respeito e do amor por cada homem e por todos os homens. Os vossos problemas, por conseguinte, são próprios da sociedade inteira, que na sua solução encontrará para si mesma uma medida mais humana.
Abençoo-vos de coração assim como a todos aqueles que se dedicam com amorosa solicitude em favor dos anciãos.

A uma peregrinação de Pescara (Itália)
Dirijo uma cordial saudação à peregrinação da cidade de Pescara, que, acompanhada pelo Pároco da Catedral, está aqui presente para realizar um acto de fé eclesial e pedir a bênção do Papa para as três estátuas de bronze que serão colocadas na fachada da mesma Igreja Catedral.
Benzo de boa vontade estas estátuas, ao mesmo tempo que invoco a protecção de Nossa Senhora, de São Pedro e de São Cetteo —  que elas representam — para toda a comunidade de Pescara.

Aos jovens
Uma saudação particularmente calorosa e afectuosa aos jovens e às jovens, aos rapazes e às meninas presentes na Audiência!
Por ocasião do próximo Dia Mundial das Missões, quero repetir também a vós as palavras que dirigi à multidão de jovens reunidos no "Madison Square Garden" de Nova Iorque, durante a minha recente viagem apostólica: "Convido-vos a olhar para Cristo. Quando estiverdes pasmados com o mistério de vós mesmos, olhai para Cristo que vos dá o significado da vida. Quando procurardes saber que significa estar uma pessoa já adulta, olhai para Cristo que é a plenitude do ser humano. E quando procurardes imaginar qual será o vosso papel no futuro do mundo e da vossa Pátria. olhai para Cristo. Só em Cristo realizareis as vossas possibilidades como cidadãos da vossa Pátria e da Comunidade mundial" (Discurso de 3 de Outubro de 1979).
Tende presente este meu convite e sede também vós missionários de Cristo. hoje e durante toda a vossa vida.

Aos doentes
E agora, uma saudação e um abraço cheio de sentimento e simpatia humana e cristã chegue a cada um de vós, caríssimos doentes!
Também a vós, em vésperas do Dia das Missões, tão importante para a vida da Igreja, quero repetir considerações que me estão particularmente a peito: "Com o seu sofrimento e a sua morte, Jesus tomou sobre si todo o sofrimento humano conferindo-lhe novo valor. De facto, chama cada doente, chama cada pessoa que sofre, a colaborar conSigo na salvação do mundo. Por isso, a dor e o sofrimento nunca são suportados por uma só pessoa nem em vão. Embora seja difícil compreender o sofrimento, Jesus explicou que o valor do sofrimento de cada pessoa está ligado ao seu próprio sofrimento, ao seu próprio sacrifício. Por outras palavras, com os vossos sofrimentos vós ajudais Jesus na sua obra de salvação... A vossa chamada para o sofrimento requer uma fé forte e paciência. Sim, isto quer dizer que vós sois chamados para o amor com uma particular intensidade. Mas recordai que a Bem-aventurada Mãe de Deus está junto de vós, tal como estava junto de Jesus, aos pés da Cruz. E nunca vos deixará sozinhos" (Homilia aos doentes no Santuário de Knock, Irlanda, 30 de Setembro de 1979).
Coragem, pois, queridos doentes! Vós sois os primeiros na obra missionária da Igreja! A minha Bênção vos ajude e conforte sempre.

Aos jovens Casais
E por fim, mais uma saudação afectuosa e de felicitações aos jovens Casais que aqui vieram para iniciar a sua vida conjugal com a Bênção do Papa! Obrigado pela vossa alegre e significativa presença.
Pensando no trabalho indefesso de tantos missionários e missionárias espalhados pelo mundo para anunciar o Evangelho, digo-vos com ânsia e calor: Conservai firme a vossa fé! "A mensagem de amor trazida por Cristo é sempre importante, sempre interessante. Não é difícil ver como o mundo moderno — não obstante a sua beleza e grandeza, não obstante as conquistas da ciência e da tecnologia, não obstante os procurados e abundantes bens materiais que oferece — está desejoso de mais verdade, de mais amor, de mais alegria. E tudo isto se encontra em Cristo e no modelo de vida que apresenta" (Homilia no "Boston Common", 1 de Outubro de 1979).
Sede também vós missionários no vosso ambiente! Pedi a Deus a graça de virdes a ser pais de futuros missionários e missionárias!
Por estes grandes motivos concedo-vos de boa vontade a minha particular Bênção.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Santa Teresa de Jesus, virgem e doutora da igreja



Antífona da entrada: “Como a corça que suspira pelas águas da torrente, assim minha alma suspira por vós, Senhor. Minha alma tem sede do Deus vivo.” (Sl 41,2s)

Nunca um santo ou santa mostrou-se tão "carne e osso" como Teresa d'Ávila, ou Teresa de Jesus, nome que assumiu no Carmelo. Nascida no dia 28 de março de 1515, seus pais, Alonso Sanchez de Cepeda e Beatriz d'Ávila y Ahumada, a educaram, junto com os irmãos, dentro do exemplo e dos princípios cristãos. Aos sete anos, tentou fugir de casa e peregrinar ao Oriente para ser martirizada pelos mouros, mas foi impedida. A leitura da vida dos santos mártires tinha sobre ela uma força inexplicável e, se não fossem os parentes terem-na encontrado por acaso, teria fugido, levando consigo o irmão Roderico.

Órfã de mãe aos doze anos, Teresa assumiu Nossa Senhora como sua mãe adotiva. Mas o despertar da adolescência a levou a ter experiências excessivas ao lado dos primos e primas, tornando-se uma grande preocupação para seu pai. Aos dezesseis anos, sua atração pelas vaidades humanas era muito acentuada. Por isso, ele a colocou para estudar no colégio das agostinianas em Ávila. Após dezoito meses, uma doença grave a fez voltar para receber tratamento na casa de seu pai, o qual se culpou pelo acontecido.

Nesse período, pela primeira vez, Teresa passou por experiências espirituais místicas, de visões e conversas com Deus. Todavia as tentações mundanas não a abandonavam. Assim atormentada, desejando seguir com segurança o caminho de Cristo, em 1535, já com vinte anos, decidiu tornar-se religiosa, mas foi impedida pelo pai. Como na infância, resolveu fugir, desta vez com sucesso. Foi para o Convento carmelita da Encarnação de Ávila.

Entretanto a paz não era sua companheira mais presente. Durante o noviciado, novas tentações e mais o relaxamento da fé não pararam de atormentá-la. Um ano depois, contraiu outra doença grave, quase fatal, e novamente teve visões e conversas com o Pai. Teresa, então, concluiu que devia converter-se de verdade e empregou todas as forças do coração em sua definitiva vivência da religião, no Carmelo, tomando o nome de Teresa de Jesus.

Aos trinta e nove anos, ocorreu sua "conversão". Teve a visão do lugar que a esperaria no inferno se não tivesse abandonado suas vaidades. Iniciou, então, o seu grande trabalho de reformista. Pequena e sempre adoentada, ninguém entendia como conseguia subir e descer montanhas, deslocar-se pelos caminhos mais ermos e inacessíveis, de convento em convento, por toda a Espanha. Em 1560, teve a inspiração de um novo Carmelo, onde se vivesse sob as Regras originais. Dois anos depois, fundou o primeiro Convento das Carmelitas Descalças da Regra Primitiva de São José em Ávila, onde foi morar.

Porém, em 1576, enfrentou dificuldades muito sérias dentro da Ordem. Por causa da rigidez das normas que fez voltar nos conventos, as comunidades se rebelaram junto ao novo geral da Ordem, que também não concordava muito com tudo aquilo. Por isso ele a afastou. Teresa recolheu-se em um dos conventos e acreditou que sua obra não teria continuidade. Mas obteve o apoio do rei Felipe II e conseguiu dar seqüência ao seu trabalho. Em 1580, o papa Gregório XIII declarou autônoma a província carmelitana descalça.

Apesar de toda essa atividade, ainda encontrava espaço para transmitir ao mundo suas reflexões e experiências místicas. Na sua época, toda a cidade de Ávila sabia das suas visões e diálogos com Deus. Para obter ajuda, na ânsia de entender e conciliar seus dons de espiritualidade e as insistentes tentações, ela mesma expôs os fatos para muitos leigos e não apenas aos seus confessores. E ela só seguiu numa rota segura porque foi devidamente orientada pelos últimos, que eram os agora santos Francisco Bórgia e Pedro de Alcântara, que perceberam os sinais da ação de Deus.

A pedido de seus superiores, registrou toda a sua vida atribulada de tentações e espiritualidade mística em livros como "O caminho da perfeição", "As moradas", "A autobiografia" e outros. Neles, ela própria narra como um anjo transpassou seu coração com uma seta de fogo. Doente, morreu no dia 4 de outubro de 1582, aos sessenta e sete anos, no Convento de Alba de Torres, Espanha. Na ocasião, tinha reformado dezenas de conventos e fundado mais trinta e dois, de carmelitas descalças, sendo dezessete femininos e quinze masculinos.

Beatificada em 1614, foi canonizada em 1622. A comemoração da festa da transverberação do coração de Santa Teresa ocorre em 27 de agosto, enquanto a celebração do dia de sua morte ficou para o dia 15 de outubro, a partir da última reforma do calendário litúrgico da Igreja. O papa Paulo VI, em 1970, proclamou santa Teresa d'Ávila doutora da Igreja, a primeira mulher a obter tal título.

Oração
Ó Deus, que pelo vosso Espírito fizestes surgir santa Teresa para recordar à Igreja o caminho da perfeição, dai-nos encontrar sempre alimento em sua doutrina celeste e sentir em nós o desejo da verdadeira santidade. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo. Amém.

domingo, 14 de outubro de 2012

28º DOMINGO DO TEMPO COMUM



Antífona da entrada: “Senhor, se levardes em conta as nossas faltas, quem poderá subsistir? Mas em vós encontra-se o perdão, Deus de Israel” (Sl 129,3s)

Leituras: Sb 7,7-11; Sl 89(90),12-13.14-15.16-17 (R/. cf. 14); Hb 4,12-13; Mc 10,17-30

AMBIENTE
Depois de deixar “a casa” (cf. Mc 10,10), Jesus continua o seu caminho através da Judéia e da Transjordânia, em direção a Jericó (cf. Mc 10,46), percorrendo um percurso geográfico que constitui a penúltima etapa da sua viagem para Jerusalém. Contudo, o caminho que Jesus faz com os discípulos é também um caminho espiritual, durante o qual Jesus vai completando a sua catequese aos discípulos sobre as exigências do Reino e as condições para integrar a comunidade messiânica. Desta vez, a questão posta por um homem rico acerca das condições para alcançar a vida eterna dá a Jesus a oportunidade para avisar os discípulos acerca da incompatibilidade entre o Reino e o apego às riquezas.

Na perspectiva dos teólogos de Israel, as riquezas são uma bênção de Deus (cf. Dt 28,3-8); mas a catequese tradicional também está consciente de que colocar a confiança e a esperança nos bens materiais envenena o coração do homem, torna-o orgulhoso e auto-suficiente e afasta-o de Deus e das suas propostas (cf. Sal 49,7-8; 62,11). Jesus vai retomar a catequese tradicional, mas desta vez na perspectiva do Reino.

MENSAGEM
A primeira parte do nosso texto (vers. 17-27) é uma catequese sobre as exigências do Reino e do seguimento de Jesus.

Um homem ajoelha-se diante de Jesus e pergunta-Lhe o que tem de fazer para “alcançar a vida eterna” (vers. 17). Não se trata, desta vez, de alguém que vem questionar Jesus para O experimentar: a postura do homem, a sua atitude de respeito, denunciam-no como alguém sincero e bem-intencionado, realmente preocupado com essa questão vital que é a vida eterna.

No Antigo Testamento, a ideia de vida eterna aparece, pela primeira vez, em Dn 12,2 e é retomada noutros textos tardios… Para alguns teólogos da época do judaísmo helenístico, os justos que se mantiverem fiéis a Deus e à Lei não serão condenados ao sheol (onde os espíritos dos mortos levam uma existência obscura, no reino das sombras), mas ressuscitarão para uma vida nova, de alegria e de felicidade sem fim, com Deus (cf. 2 Mac 7,9.14.36). A vida eterna de que falam os teólogos desta época parece já incluir a ideia de imortalidade (cf. Sab 3,4; 15,3). É provavelmente isto que inquieta o tal homem que se encontra com Jesus: o que é necessário fazer para ter acesso a essa vida imortal que Deus reserva aos justos?

A primeira resposta de Jesus não traz nada de novo e remete o homem para os mandamentos da Torá: “não mates; não cometas adultério; não roubes; não levantes falso testemunho; não cometas fraudes; honra pai e mãe” (vers. 19). De acordo com a catequese feita pelos mestres de Israel, quem vivesse de acordo com os mandamentos da Lei, receberia de Deus a vida eterna. O viver de acordo com as propostas de Deus é, também na perspectiva de Jesus, um primeiro patamar para chegar à vida eterna.

O homem explica, porém, que desde sempre a sua vida foi vivida em consonância com os mandamentos da Lei (vers. 20). É uma afirmação segura e serena, que o próprio Jesus não contesta. O homem não é um hipócrita, mas um crente religiosamente empenhado e sincero. Não há aqui, por parte deste homem, qualquer sinal de orgulho e de auto-suficiência; mas a sua atitude e as questões que ele põe mostram a sua inquietação, a sua procura, a sua busca da definição do verdadeiro caminho para a vida eterna. Jesus reconhece a sinceridade, a honestidade, a verdade da busca deste homem; por isso, olha para ele “com simpatia” (vers. 21) e resolve convidá-lo a subir a um outro patamar nesse caminho para a vida eterna: convida-o a integrar a comunidade do Reino.

Ora, esse novo patamar tem um outro grau de exigência… Jesus aponta três requisitos fundamentais que devem ser assumidos por quem quiser integrar a comunidade do Reino: não centrar a própria vida nos bens passageiros deste mundo, assumir a partilha e a solidariedade para com os irmãos mais pobres, seguir o próprio Jesus no seu caminho de amor e de entrega (vers. 21). Apesar de toda a sua boa vontade, o homem não está preparado para a exigência deste caminho e afasta-se triste. Marcos explica que ele estava demasiado preso às suas riquezas e não estava disposto a renunciar a elas (vers. 22). O homem de que se fala nesta cena é um piedoso observante da Lei; mas não tem coragem para renunciar às suas seguranças humanas, aos seus esquemas feitos, aos bens terrenos que lhe escravizam o coração. A sua incapacidade para assumir a lógica do dom, da partilha, do amor, da entrega, tornam-no inapto para o Reino. O Reino é incompatível com o egoísmo, com o fechamento em si próprio, com a lógica do “ter”, com a obsessão pelos bens deste mundo.

A história do homem rico que não está disposto a integrar a comunidade do Reino, pois não está preparado para viver no amor, na partilha, na entrega da própria vida aos irmãos, serve a Jesus para oferecer aos discípulos mais uma catequese sobre o Reino e as suas exigências. O “caminho do Reino” é um caminho de despojamento de si próprio, que tem de ser percorrido no dom da vida, na partilha com os irmãos, na entrega por amor. Ora, quem não é capaz de renunciar aos bens passageiros deste mundo – ao dinheiro, ao sucesso, ao prestígio, às honras, aos privilégios, a tudo isso que prende o homem e o impede de dar-se aos irmãos – não pode integrar a comunidade do Reino. Não se trata apenas de uma dificuldade, mas de uma verdadeira impossibilidade (“é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha, do que um rico entrar no Reino de Deus” – vers. 25): os bens do mundo impõem ao homem uma lógica de egoísmo, de fechamento, de escravidão que são incompatíveis com a adesão plena ao Reino e aos seus valores. O discípulo que quer integrar a comunidade do Reino deve estar sempre numa atitude radical de partilha, de solidariedade, de doação.

Marcos propõe-nos, depois, a reação alarmada, ansiosa, desorientada, dos discípulos face a esta exigência de radicalidade: “quem pode, então, salvar-se?” (vers. 26). Em resposta, Jesus pronuncia palavras de conforto, apresentando o poder de Deus como incomparavelmente maior do que a debilidade humana (“aos homens é impossível, mas não a Deus; porque a Deus tudo é possível” – vers. 27). A ação de Deus – gratuita e misericordiosa – pode mudar o coração do homem e fazê-lo acolher as exigências do Reino. É preciso, no entanto, que o homem esteja disponível para escutar Deus e para se deixar desafiar por Ele.

Na segunda parte do nosso texto (vers. 28-30) os discípulos, pela voz de Pedro, recordam a Jesus que deixaram tudo para o seguir. A renúncia dos discípulos não é, contudo, uma renúncia que se justifica por si mesma e que tem valor em si mesma… Os discípulos de Jesus não escolhem a pobreza porque a pobreza, em si, é uma coisa boa; nem deixam as pessoas que amam pelo gosto de deixá-las… Quando os discípulos de Jesus renunciam a determinados valores (muitas vezes valores legítimos e importantes), é em vista de um bem maior – o seguimento de Jesus e o anúncio do Evangelho. Jesus confirma a validade desta opção e assegura aos discípulos que o caminho escolhido por eles não é um caminho de perda, de solidão, de morte, mas é um caminho de ganho, de comunhão, de vida.

Esta opção dos discípulos será sempre incompreendida e recusada pelo mundo. Por isso, os discípulos conhecerão também a perseguição e o sofrimento. As tribulações não são um drama imprevisto e sem sentido: os discípulos devem estar preparados para as enfrentar, pois sabem que terão sempre de viver com a oposição do mundo, enquanto se mantiverem fiéis a Jesus e ao Evangelho.

Aconteça o que acontecer, os discípulos devem estar conscientes de que a opção pelo Reino e pelos seus valores lhes garantirá uma vida cheia e feliz nesta terra e, no mundo futuro, a vida eterna.

ATUALIZAÇÃO
• O que é preciso fazer para alcançar a vida eterna? Trata-se de uma questão que inquieta todos os crentes e que certamente já pusemos a nós próprios, com estas ou com outras palavras semelhantes. Jesus responde: é preciso, antes de mais, viver de acordo com as propostas de Deus (mandamentos); e é preciso também assumir os valores do Reino e seguir Jesus no caminho do amor a Deus e da entrega aos irmãos. Isto não significa, contudo, que a vida eterna seja algo que o homem conquista, com o seu esforço, ou que resulte dos méritos que o homem adquire ao percorrer um caminho religiosamente correto. A vida eterna é sempre um dom gratuito de Deus, fruto da sua bondade, da sua misericórdia, do seu amor pelo homem; no entanto, é um dom que o homem aceita, acolhe e com o qual se compromete. Quando o homem vive de acordo com os mandamentos de Deus e segue Jesus, não está a conquistar a vida eterna; está, sim, a responder positivamente à oferta de vida que Deus lhe faz e a reconhecer que o caminho que Deus lhe indica é um caminho de vida e de felicidade.
• Quando falamos em vida eterna, não estamos a falar apenas na vida que nos espera no céu; mas estamos a falar de uma vida plena de qualidade, de uma vida que leva o homem à sua plena realização, de uma vida de paz e de felicidade. Deus oferece-nos essa vida já neste mundo e convida-nos a acolhê-la e a escolhê-la em cada dia da nossa caminhada nesta terra; no entanto, sabemos que só atingiremos a plenitude da vida quando nos libertarmos da nossa finitude, da nossa debilidade, das limitações que a nossa humanidade nos impõem. A vida eterna é uma realidade que deve marcar cada passo da nossa existência terrena e que atingirá a plenitude na outra vida, no céu.
• Na perspectiva de Jesus, a vida eterna passa pela adesão a esse Reino que Ele veio anunciar. Jesus, com a sua vida, com as suas propostas, com os seus valores, veio propor aos homens o caminho da vida eterna. Quem quiser “alcançar a vida eterna” tem de olhar para Jesus, aprender com Ele, segui-l’O, fazer da própria vida – como Jesus fez da sua vida – uma escuta atenta das propostas de Deus e um dom de amor aos irmãos. Toda a nossa caminhada, todos os nossos esforços, toda a nossa busca visam alcançar a vida eterna. Muitas vezes, a lógica do mundo sugere que a vida eterna está na acumulação de dinheiro, na concretização dos nossos sonhos de “ter” mais coisas, na conquista de poder, no reconhecimento social, nos privilégios que conquistamos, nos cinco minutos de exposição mediática que a televisão proporciona… Nós, crentes, sabemos, contudo, que os bens deste mundo, embora nos proporcionem bem estar e segurança, não nos oferecem a vida eterna; essa vida eterna que buscamos ansiosamente está nesse caminho de amor, de serviço, de dom da vida que Cristo nos ensinou a percorrer.
• A história do homem rico, que buscava a vida eterna mas não estava disposto a prescindir da sua riqueza, alerta-nos para a impossibilidade de conjugar a vida eterna com o amor aos bens deste mundo. A riqueza escraviza o coração do homem, absorve todas as suas energias, desenvolve o egoísmo e a cobiça, leva o homem à injustiça, à exploração, à desonestidade, ao abuso dos irmãos… É, portanto, incompatível com o “caminho do Reino”, que é um caminho que deve ser percorrido no amor, na solidariedade, no serviço, na partilha, na verdade, no dom da vida aos irmãos. Podemos levar vidas religiosamente corretas, frequentar a Igreja, dar o nosso contributo na comunidade, ocupar lugares significativos na estrutura paroquial; mas, se o nosso coração vive obcecado com os bens deste mundo e fechado ao amor, à partilha, à solidariedade, não podemos fazer parte da comunidade do Reino.
• Jesus confirma, no final do texto que nos é proposto, a validade desse caminho de renúncia e de desprendimento que os discípulos aceitaram percorrer. Mais: Jesus garante que não se trata de um caminho de fracasso e de perda, mas de um caminho que realiza plenamente os sonhos e as necessidades dos homens que O escolheram. Seguir o “caminho do Reino” não é, portanto, aceitar viver infeliz e sacrificado nesta terra, com a esperança de uma recompensa no mundo que há-de vir; mas é, livre e conscientemente, escolher um caminho de vida plena, de realização, de alegria, de felicidade. O cristão não é um pobre coitado condenado a passar ao lado da vida e da felicidade; mas é uma pessoa que renunciou a certas propostas falíveis e parciais de felicidade, pois sabe que a vida plena está em viver de acordo com os valores eternos propostos por Jesus.
• Jesus avisa aos discípulos que o “caminho do Reino” é um caminho contra a corrente, que gerará inevitavelmente o ódio do mundo e que se traduzirá em perseguições e incompreensões. É uma realidade que conhecemos bem… Quantas vezes as nossas opções cristãs são criticadas, incompreendidas, apresentadas como realidades incompreensíveis e ultrapassadas por aqueles que representam a ideologia dominante, que fazem a opinião pública, que definem o socialmente correto… Precisamos, todavia, de estar conscientes de que a perseguição e a incompreensão são realidades inevitáveis, que não podem desviar-nos das opções que fizemos. Para nós, seguidores de Jesus, o que é realmente importante é a certeza de que o “caminho do Reino” é um caminho de vida eterna.

Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO APARECIDA, PADROEIRA DO BRASIL



Antífona da entrada: Com grande alegria rejubilo-me no Senhor, e minha alma exultará no meu Deus, pois me revestiu de justiça e salvação, como a noiva ornada de suas joias (Is 61,10)

Leituras: Est 5,1-2;7,2-3; Sl 44(45),11-12a.12b-13.14-15a.15b-16 (R/.11-12a); Ap 12,1.5.13a.15-16a; Jo 2,1-11

Hoje é o dia da Padroeira do Brasil e das crianças. Coloquemos sob a proteção de Nossa Senhora todas as crianças do Brasil e do mundo, e cada um de nós, pois “se não vos transformardes e vos tornardes como criancinhas, não entrareis no Reino dos céus” (Mt 18,3). O Evangelho de hoje é aquele das bodas de Caná (Jo 2,1-11) e, ao escutarmos o conselho de Maria, “fazei o que ele vos disser” (J0 2,5), não só entendemos que a devoção a Nossa Senhora nos conduz sempre a Jesus, mas também aprendemos a acolher o Evangelho com um renovado ardor, também no que se refere ao fato da nossa filiação divina e do nosso “ser criança”. É importante que cada um de nós se transforme numa criancinha, aos pequenos está prometido o Reino. Pode vir à nossa mente aquelas palavras de Nicodemo a Jesus: mas, “como pode um homem renascer, sendo velho? Porventura pode tornar a entrar no seio de sua mãe e nascer pela segunda vez?” (Jo 3,4). Talvez a historinha abaixo nos ajude a ver a complexidade do assunto.

Eram uma vez, dois vizinhos. O primeiro comprou um coelho como bichinho de estimação para os filhos. Quando os filhos do outro vizinho viram o animalzinho, foram correndo aos seus pais e pediram que comprassem um bicho para eles. O pai da família acedeu e comprou um pastor alemão. Pra quê? Então, os dois vizinhos se enfrentaram numa discussão:

- puxa vida, ele vai comer o meu coelho.
- como você pensar uma coisa dessas. Imagine só: os dois animais são filhotes, eles vão crescer junto e serão amigos. Não se preocupe, dou a minha palavra, eu entendo de animais.

O outro vizinho parece que se convenceu e, com o passar do tempo, se viu que o dono do pastor alemão tinha razão. Os dois animais iam crescendo juntos e era normal ver o cachorro e o coelho compartindo terreno. As crianças estavam felizes. Mas, um belo dia, o dono do coelho foi, com a família, passar o final de semana na fazenda. Saíram na sexta-feira. O coelho não foi. No domingo, aconteceu algo que causou dor e indignação em todos: de repente, o cachorro aparece com o coelhinho sujo de terra, arrebentado e entre os dentes, o coelho estava totalmente morto. Imagine a reação do dono do cachorro: irado, espancou o cachorro, quase matou o animal. E agora, o que fazer quando o vizinho chegar? Pensaram, pensaram, e encontraram uma solução: deram um banho no coelho pra lá de morto, secaram-no com o secador da mãe e o colocaram na “casinha do coelho”, no quintal do vizinho.

Quatro horas depois, os vizinhos chegaram. As crianças gritaram! Descobriram horrorizadas! Cinco minutos depois, estava o dono do coelho à porta do dono do cachorro. Assustado, lívido, parecia que tinha visto pelo menos uns dois fantasmas.

- vizinho, o que aconteceu?
- o coelho… o coelho…
- Mas, o que aconteceu com o coelho?
- Morreu!
- Morreu? Se ontem tinha tão bom aspecto…
- Morreu na sexta-feira e as crianças o tinham enterrado no quintal, mas… apareceu na casinha.
- na sexta-feira?

Quem ler essa historinha estará de acordo comigo que o protagonista é o cachorro. Imagine só: o pobre animal que, desde sexta-feira, procurava em vão pelo amigo de infância, o coelho. Depois de muito farejar descobre o corpo. Morto. Enterrado. O que ele faz? Provavelmente com o coração partido, desenterra o pobrezinho e vai mostrar para os seus donos. Talvez estivesse até chorando, quando começou a ser espancado. O cachorro é o herói!

E o homem continua achando que um banho, um secador de cabelos e um perfume disfarçam a hipocrisia, o animal desconfiado que existe dentro de nós. Julgamos os outros pela aparência, mesmo que tenhamos que deixar esta aparência como melhor nos convir: maquiada. Perdemos a inocência pelo pecado e a recuperamos pela graça. Nossa Senhora nos ajudará a guarda-la para que sejamos essas crianças que Deus quer, ou seja, sempre pequenos diante do Deus incomensurável, sempre discípulos diante do Divino Mestre, sempre necessitados diante do Todo-poderoso, sempre filhos diante dum Pai bondoso.

Lembremo-nos que Nossa Senhora apareceu nas águas do rio Paraíba em 1717, em São Paulo. A partir daquele dia nunca mais deixou de ajudar o Povo brasileiro, de consolá-lo e de conduzir cada pessoa ao Coração de Jesus. Ela quer que sejamos bons filhos, virtuosos, compreensivos, santos e que um dia lhe demos um abraço no céu. “Fazei tudo o que ele vos disser”, é o conselho da nossa querida Mãe do céu. Dessa maneira seremos crianças diante de Deus, venceremos essa capacidade que temos de julgar os outros sem muita misericórdia e aprenderemos a compreender os demais.

Pe. Françoá Costa

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

O significado da solidão original do homem




JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA GERAL

Quarta-feira, 10 de Outubro de 1979

1. Na última reflexão do presente ciclo, chegámos a uma conclusão introdutória, tirada das palavras do Livro do Génesis, sobre a criação do homem como macho e fêmea. A estas palavras, ou seja, ao «princípio», referiu-se o Senhor Jesus na sua conversa sobre a indissolubilidade do matrimónio (Cfr. Mt. 19, 3-9; Mc. 10, 1-12). Mas a conclusão, a que chegámos, não termina ainda a série das nossas análises. Deve-mos, de facto, reler a narração do primeiro e do segundo capítulo do Livro do Génesis num contexto mais largo, que nos permitirá estabelecer uma série de significados do texto antigo, a que se referiu Cristo. Hoje reflectiremos portanto sobre o significado da solidão original do homem.

2. O ponto de partida para esta reflexão vem-nos directamente das seguintes palavras do Livro do Génesis: Não é conveniente que o homem (macho) esteja só; vou dar-lhe uma auxiliar semelhante a ele (Gén. 2, 18). Deus-Javé que pronuncia estas palavras. Fazem parte da segunda narrativa da criação do homem e provêm portanto da tradição javista. Como já recordámos precedentemente, é significativo que no texto javista, a narrativa da criação do homem (macho) seja um trecho completo (Gén. 2, 7), que precede a narrativa da criação da primeira mulher (Gén. 2, 21-22), além disso, significativo que o primeiro homem ('adam), criado do «pó da terra», só depois da criação da primeira mulher seja definido como «macho» ('is). Assim portanto, quando Deus-Javé pronuncia as palavras a respeito da solidão, refere-as à solidão do «homem» enquanto tal, e não só à do macho.

É difícil porém, só com base neste facto, chegar muito longe tirando conclusões. Apesar disso, o contexto completo daquela solidão de que fala o Génesis 2, 18, pode convencer-nos que se trata aqui da solidão do «homem» (macho e fêmea) e não apenas da solidão do homem-macho, causada pela falta da mulher. Parece, por conseguinte, com base no contexto inteiro, que esta solidão tem dois significados: um que deriva da própria criatura do homem, isto é, da sua humanidade (o que é evidente na narrativa de Gén. 2), e o outro que deriva da relação macho-fêmea, o que é evidente, em certo modo, com base no primeiro significado. A análise particularizada da descrição parece confirmá-lo.

3. O problema da solidão manifesta-se unicamente no contexto da segunda narrativa da criação do homem. A primeira não conhece este problema. Nesta aparece o homem criado num só acto como «macho e fêmea» (Deus criou o homem à sua imagem ... criou-os homem e mulher (Gén. 1, 27). A segunda narrativa que, segundo já mencionámos, fala primeiro da criação do homem e, só depois, da criação da mulher da «costela» do macho, concentra a nossa atenção em o homem «estar só». Isto apresenta-se como problema antropológico fundamental, anterior, em certo sentido, ao problema apresentado pelo facto de tal homem ser macho e fêmea. Este problema é anterior não tanto no sentido cronológico quanto no sentido existencial: é anterior «por sua natureza». Tal se revelará também o problema da solidão do homem do ponto de vista da teologia do corpo, se conseguirmos fazer uma análise profunda da segunda narrativa da criação em Génesis 2.

4. A afirmação de Deus-Javé, «não é conveniente que o homem esteja só», aparece, não só no contexto imediato da decisão de criar a mulher («vou dar-lhe uma auxiliar semelhante a ele»), mas também no contexto mais amplo de motivos e circunstâncias, que explicam mais profundamente o sentido da solidão original do homem. O texto javista liga primeiramente a criação do homem com a necessidade de cultivar a terra (Gén. 2, 5), o que, na primeira narrativa, corresponde à vocação de encher e dominar a terra (Cfr. Gén. 1, 28). Além disso, a segunda narrativa da criação fala de o homem ser colocado no «jardim do Éden», e deste modo introduz-nos no estado da sua felicidade original. Até este momento o homem é objecto da acção criadora de Deus-Javé, que ao mesmo tempo, como legislador, estabelece as condições da primeira aliança com o homem. Já com este recurso é sublinhada a subjectividade do homem. Esta encontra nova expressão quando o Senhor Deus, após ter formado da terra todos os animais dos campos e todas as aves dos céus, os conduziu até junto do homem (macho), a fim de verificar como ele lhes chamaria (Gén. 2, 19). Logo o primitivo significado da solidão original do homem é definido em função dum «test» específico, ou dum exame a que o homem é sujeito diante de Deus (e em certo modo também diante de si mesmo). Graças a esse «test», o homem toma consciência da própria superioridade, quer dizer, de não poder colocar-se em igualdade com nenhuma outra espécie de seres vivos sobre a terra.

Na verdade, como diz o texto, o homem impôs os nomes para que todos os seres vivos fossem conhecidos pelos nomes que o homem lhes desse (Ibid). O homem designou com nomes todos os animais domésticos, todas as aves dos céus e todos os animais ferozes; contudo—termina o autor — o homem (macho) não encontrou para si uma auxiliar adequada (Gén. 2, 20).

5. Toda esta parte do texto é, sem dúvida, preparatória da narrativa da criação da mulher. Esta parte do texto possui contudo significado próprio e profundo, mesmo independentemente desta criação. É o seguinte: o homem criado encontra-se, desde o primeiro momento da sua existência, diante de Deus quase à busca da própria «entidade». A verificação de o homem «estar só» no meio do mundo visível e, em especial, entre os seres vivos, tem nesta busca significado negativo, na medida em que exprime o que ele «não é». Apesar disso, a verificação de não se poder essencialmente identificar com o mundo visível dos outros seres vivos (animalia) tem, ao mesmo tempo, aspecto positivo para esta busca primária: embora esta verificação não seja ainda uma definição completa, constitui todavia um dos seus elementos. Se aceitamos a tradição aristotélica, na lógica e na antropologia, seria necessário definir este eleento como «género próximo» (genus proximum).

6. O texto javista consente-nos todavia descobrir ainda novos elementos naquele admirável trecho, em que o homem se encontra só, diante de Deus, sobretudo para exprimir, através duma autodefinição, a própria autoconsciência, como primitiva e fundamental manifestação de humanidade. O autoconhecimento acompanha o conhecimento do mundo, de todas as criaturas visíveis, de todos os seres vivos a que o homem deu nomes para afirmar em confronto com eles a própria diversidade. Assim portanto, a consciência revela o homem como o ser que possui a faculdade cognoscitiva a respeito do mundo visível. Com este conhecimento que o faz sair, em certo modo, fora do próprio ser, ao mesmo tempo o homem revela-se a si mesmo em toda a peculiaridade seu ser. Está não apenas essencialmente mas subjectivamente só. Solidão, de facto, significa também subjectividade do homem, a qual se forma através do autoconhecimento. O homem está só, porque é «diferente» do mundo visível, do mundo dos seres vivos. Analisando o texto do Livro do Génesis, tornamo-nos, em certo sentido, testemunhas do modo como o homem «se distingue», diante de Deus-Javé, de todo o conjunto dos seres vivos (animalia) como o primeiro acto de autoconhecimento, e de como, por conseguinte, se revela a si mesmo e ao mesmo tempo se afirma no mundo visível como «pessoa». Aquele processo delineado de modo tão enérgico em Génesis 2, 19-20, processo de busca duma definição de si mesmo, não leva só a indicar — voltando nós à tradição aristotélica — o genus proximum, que no capítulo 2.° do Génesis é expresso com as a palavras «deu os nomes», a que corresponde específica» que é, segundo a definição de Aristóteles, noûs, zoón noetikon. Tal processo leva também à primeira delineação do ser humano como pessoa humana, com a própria subjectividade sua característica.

Interrompamos aqui a análise do significado da solidão original do homem. Retomá-la-emos daqui a uma semana.
***

Saudações

Aos participantes na XXVII Assembleia geral da União das Superioras-Maiores da Itália (USMI)
Estão presentes na Audiência cerca de 600 Superioras-Gerais e Provinciais, que participam na XXVII Assembleia geral da União das Superioras-Maiores da Itália (USMI) subordinada ao tema: "Presença pastoral dos religiosos na Igreja hoje na Itália e o seu carisma específico".

Agradeço a vossa presença, tão significativa e merecedora de uma Audiência particular. Infelizmente os múltiplos e fatigantes compromissos deste período de tempo não mo permitiram.

Exorto-vos, caríssimas Irmãs, a meditar sempre, com amor e com generosidade, nos grandes documentos que dizem respeito à vossa vida: o capítulo sexto da Constituição Conciliar Lumen Gentium, o Decreto Perfectae Caritatis e a Carta Apostólica Evangelica Testificatio. Aquilo que maiormente tinha a peito comunicar-vos e a todas as Religiosas, manifestei-o recentemente nos discursos que pronunciei a 1 de Outubro em Maynooth na Irlanda, e a 7 de Outubro no Santuário da Imaculada Conceição, em Washington.

Agora, gostaria apenas de sugerir, a vós Superioras, a firmeza e a delicadeza necessárias neste momento. Mostrai-vos principalmente mães, sensíveis e esclarecidas, nunca irritadas nem de maneira alguma amarguradas, mas santamente intrépidas em sugerir a voz do Vigário de Cristo, de modo que nenhuma irmã se sinta oprimida ou marginalizada, mesmo no caso de ter errado.
Também a vós repito o que disse na Irlanda:

"Deveis ser corajosas nas vossas empresas apostólicas, não vos deixando abater nem deprimir pelas dificuldades, pela diminuição de pessoal e pela insegurança do futuro. Lembrai-vos sempre que o primeiro dever apostólico é a vossa santificação" (Discurso em Maynooth, 1 de Outubro de 1979).
A minha Bênção Apostólica vos acompanhe e conforte de modo particular.

Aos participantes no Diálogo Católico-Pentecostal
Meus queridos participantes no Diálogo Romano Católico-Pentecostal, bem-vindos outra vez a Roma. Faz sete ano agora que este esforço de mútua compreensão e reconciliação existe, e desejo assegurar-vos que lhe dedico o mais vivo interesse e piedosa protecção.

Se nós cristãos devemos alcançar a unidade desejada por nosso Senhor, somos chamados à "busca em comum da verdade no pleno sentido evangélico e cristão" (Redemptor Hominis, 6). Estais contribuindo para isso com o vosso trabalho desta semana. O Senhor vos alude nele e com a luz do seu Santo Espírito vos permita conhecer e experimentar a sua verdade, a sua graça e o seu amor.

Aos Membros do Conselho Geral extraordinário da Companhia de Maria e a grupos de peregrinos franceses
Dirijo uma cordial e afectuosa saudação aos membros do Conselho Geral extraordinário da Companhia de Maria, mais conhecida com o nome de Congregação dos Padres Monfortinos. Saúdo o Reverendo Padre-Geral, os seus Assistentes, os Superiores provinciais e, através deles, todos aqueles que se dão a Deus e ao serviço da Igreja segundo o espírito de São Luís Maria Grignon de Monfort, que me é pessoalmente muito querido.

Há um ano, e também recentemente durante esta última viagem, falei muito da vida sacerdotal e da vida religiosa. Meditai nestes pensamentos, queridos Filhos, pois valem também para vós, com as suas exigências. Tereis assim a certeza de ser fiéis à Igreja. Sede fiéis ao espírito do vosso Santo fundador, à fonte inesgotável de espiritualidade que ele nos deixou, ensinando-nos o sentido da verdadeira devoção à Santíssima Virgem. Segundo a sua palavra: "Abri a porta a Jesus Cristo", em cada um de vós, primeiro, pela vossa vida de oração, e depois nos outros, pela vossa vida missionária. E por isso, sede sempre dóceis às lições interiores da Virgem Imaculada, à qual vos recomendo, com uma especial Bênção Apostólica.

Numerosos peregrinos representam hoje as dioceses de Clermont-Ferrand e de Moulins. Sejam bem-vindos. Faço votos por que aprofundem o sentido de Igreja a fim de que depois sintam mais convicção e mais generosidade na sua vida cristã. Abençoo-os de todo o coração.

Aos Membros do Conselho Mundial da Ordem Franciscana Secular
E agora uma particular saudação a vós, Membros da Ordem Franciscana Secular mais conhecida por Ordem Terceira, que tivestes nestes dias, em Assis, a II Assembleia Plenária. Sei que, convosco, estão alguns Observadores Anglicanos aos quais tenho o prazer de dar cordiais boas-vindas.

A todos dirijo a minha palavra sincera de apreço pela vontade que demonstrais em confirmar-vos cada vez mais nos valores evangélicos da Regra Franciscana; quero sobretudo encorajar-vos a que prossigais simples e alegremente no vosso genuíno testemunho cristão oferecido ao mundo.

Faço minha, portanto, a aprovação dada à Regra pelo Papa Paulo VI, de venerada memória, pouco antes da sua morte, com o Breve Seraphicus Patriarcha, e faço votos por que muitos Leigos possam encontrar nela um válido ponto de referência para a edificação da própria vida quotidiana no único fundamento seguro que é Jesus Cristo (cfr. 1 Cor 3, 11).

Em penhor destes votos e como sinal da minha benevolência, concedo, de coração, a todos vós e a todos aqueles que dignamente representais, a propiciadora Bênção Apostólica.

Aos Jovens
Uma cordial saudação a vós Jovens, que, como sempre, fazeis vibrar esta Praça de São Pedro com a vossa exuberante alegria.

Agradeço-vos esta vossa visita e o conforto que ela me proporciona ao ver-vos assim tão entusiastas na manifestação da vossa fé em Cristo e ao mesmo tempo, tão perto do seu Vigário na terra.

Fazendo eco aos meus encontros com os vossos companheiros da Irlanda e dos Estados Unidos da América, e aos repetidos apelos à justiça, à liberdade e à paz, que por ocasião da minha recente viagem apostólica dirigi, exorto-vos sobretudo, a vós filhos da nova geração, a que estejais sempre na vanguarda, com aquele ardor que sabeis pôr em tudo o que é grande e nobre, na defesa e na promoção destes inalienáveis valores, indispensáveis a cada cristão que ambiciona seguir seriamente a Cristo. Seja-vos de ajuda neste esforço o exemplo de Cristo e a sua corroborante assistência.

Aos Doentes
A vós doentes, que trazeis no vosso corpo e no vosso espírito as chagas de Cristo (Gál 6, 17), dirijo de modo muito particular, a minha paterna, afectuosa e abençoadora palavra.

Agredeço-vos a vossa preciosa presença, que oferece ao olhar de todos nós um testemunho sofrido de fortaleza cristã. de coragem e de fé: virtudes estas que vos amparam nas duras provas a que fostes misteriosamente chamados e. ao mesmo tempo, fazem reflectir os outros no verdadeiro significado desta vida terrena tão frágil e efémera, e tão incompreensível sem uma fé superior. Por conseguinte, vós sois os benfeitores da humanidade. O Senhor vos recompense e vos conforte no vosso sofrimento.

Aos jovens Casais
Uma especial saudação vai agora para os jovens esposos, que depois do seu matrimónio vieram junto do Papa receber a Bênção para a sua união matrimonial e para a família que nascerá.

Ao mesmo tempo que vos felicito e vos expresso bons votos por este passo decisivo, que permanecerá no centro da vossa vida, agradeço terdes vindo aqui testemunhar perante a comunidade cristã a beleza e a grandeza do Sacramento, instituído por Jesus para santificar o amor e torná-lo estável. Oxalá o vosso exemplo seja para os mais jovens um apelo salutar aos princípios cristãos, os únicos que podem garantir ao lar doméstico a verdadeira e duradoira felicidade.
A minha Bênção vos acompanhe sempre.

Aos neo-sacerdotes do Pontifício Colégio Germânico-Húngaro
Desejo, nesta audiência, dar boas-vindas muito cordiais aos neo-sacerdotes do Pontifício Colégio Germânico-Húngaro, acompanhados pelos seus pais, familiares e amigos.

Felicito-vos de coração, como meus jovens colaboradores no sacerdócio, pela animosa decisão de consagrardes a vossa vida, como sacerdotes, totalmente ao serviço de Cristo e da Igreja. Quem puder compreender, compreenda! (Mt 19, 12). Estas palavras do Senhor valem hoje mais do que nunca para a eleição da função sacerdotal. A vossa vocação e antes de tudo uma graça, um dom, que deve ser aceite, certamente, com alegria e disposição para o sacrifício. Vós fizeste-lo assistidos pela graça de Deus. Uma das vossas tarefas mais importantes será agora cuidar com zelo e guardar diligentemente esse dom precioso. Só assim será deveras fecunda a vossa tarefa sacerdotal nas comunidades. Oxalá os vossos pais e os vossos familiares continuem ao vosso lado no futuro e vos acompanhem com as suas orações.

A vós, a eles, aos vossos amigos e a todo o Colégio, concedo, em união espiritual, a minha especial Bênção Apostólica.

LEITURA ORANTE: A perda é salvação

Quem perder a sua vida por causa de mim, esse a salvará. Preparo-me para a Leitura Orante, rezando com todos os que, nesta rede da...