quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

"MAIS SERVIRA, SE NÃO FORA..."


Pasquale Cipro Neto

Na escola nem sempre se ensina que o mais-que-perfeito do indicativo pode ser simples ou composto

A palavra “perfeito” é o particípio de “perfazer”, verbo que, entre outros significados, tem o de “fazer completamente”. Quando se diz, por exemplo, que Chico Buarque compôs “A Banda” na década de 60, emprega-se a forma verbal “compôs” (da terceira pessoa do singular do pretérito perfeito do indicativo) porque o processo em questão é perfeito, ou seja, está totalmente concluído.

Quando se diz que aos 20 e poucos anos de idade Chico Buarque já compunha obras-primas, emprega-se “compunha” (do pretérito imperfeito do indicativo) porque o processo em questão, contínuo, habitual, corriqueiro, ocorre num passado cujo fim não se estipula, não se define.

Se o pretérito que indica processo totalmente concluído é (por motivos óbvios) o perfeito, aquele que indica fato passado que se repete e cujo fim não se determina é (também por motivos óbvios) o imperfeito.

E o bendito “mais-que-perfeito”? Veja este caso: “Quando cheguei, o menino já tinha conseguido abrir a porta”. Qual é a sequência dos fatos? Primeiro eu chego e depois o menino consegue abrir a porta? Ou o menino consegue abrir a porta antes da minha chegada? É mais do que óbvio que a sequência correta é a segunda, não? Em outras palavras, o fato expresso pela locução “tinha conseguido” é anterior ao expresso pela flexão “cheguei”.

O caro leitor já sabe que a forma “cheguei” expressa fato pretérito totalmente concluído, num tempo específico, determinado do passado, razão pela qual é do pretérito perfeito. Se já sabemos que o processo expresso por “tinha conseguido” é anterior ao expresso por “cheguei”, ou seja, é mais velho do que esse, que é do perfeito... Ora, o que é mais velho do que o perfeito só pode ser “mais-que-perfeito”, certo? Como o caro leitor já concluiu, o nome “pretérito mais-que-perfeito” embute uma palavra (velho, antigo, etc.).

“Ué! Então ‘tinha conseguido’ é do pretérito mais-que-perfeito? Mas não foi isso que me ensinaram na escola! O que aprendi como mais-que-perfeito é algo como ‘conseguira’, ‘fora’, ‘beijara’, ‘estivéramos’ etc”.

Pois é, caro leitor, muita gente deve ter pensado ou dito essa frase. O fato é que na escola nem sempre se ensina que o mais-que-perfeito do indicativo pode ser simples ou composto. A forma simples da primeira e da terceira do singular do pretérito mais-que-perfeito de “conseguir” é “conseguira”, que equivale a “tinha (ou ‘havia’) conseguido”. Na linguagem oral, é muito mais comum o uso da forma composta do mais-que-perfeito; na escrita, pode-se dizer que a forma composta também predomina, mas a simples nem de longe é pouco comum ou rara.

Por fim, seria interessante trocarmos duas palavras sobre os valores paralelos do pretérito mais-que-perfeito, mas o espaço acabou. Como aperitivo, deixo este passo, do monumental Camões: “Mais servira, se não fora/Para tão longo amor tão curta a vida”. É isso.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Ateísmo ao ateísmo

Hoje em dia ainda há muitas pessoas que não crêem em um Deus ou em algum outro ente ao qual se dê o título de “o criador do Universo” e de tudo o que nele existe. Mas isso não é novidade, pois, no passado, também existiram muitas outras pessoas que tiveram o mesmo modo de pensar. Trata-se de um fenômeno que atravessa gerações e que por isso, sempre estará presente enquanto a humanidade existir.

O ser humano é racional, possui várias faculdades que nenhum outro ser vivente neste planeta tem. O ser humano sofre, ama, odeia, sente saudades, felicidade, enfim, tantas outras capacidades característica da espécie humana. Mas entre todas elas, destaco uma que é fundamental no contexto do ateísmo: o senso crítico. Aqui não falo da crítica perversa e má que tem por objetivo destruir ou abalar aos outros, mas sim daquela crítica que ajuda, soma, constrói e que faz crescer e amadurecer.

Se pensarmos bem, veremos que na realidade é impossível a existência de um ateísmo prático. Veja bem: só pelo fato de se pensar no nome “Deus” nós mesmos damos existência ao termo. Veja, disse ao termo “Deus”. Note que todos os termos dão nome a algo que existe, seja um ente concreto ou abstrato. Ninguém duvida da existência das bruxas, talvez elas não sejam da forma como as imaginamos, mas elas existem e estão por aí, em todas as partes do mundo. Ninguém duvida da existência do ar, nós não o vemos ou sentimos mas sabemos que sem ele não poderíamos ser neste planeta. E assim por diante, para dizer: não precisa haver alguém que creia ou não creia, o termo existe por si mesmo. Assim também ocorre com o Criador, Ele é o que é, existe por Ele mesmo, quer creiamos ou não. Olhe que em momento algum estou dando o direito dos não crentes a continuarem não crentes. De forma alguma! Mas o ser de Deus é assim, com essa simplicidade que esmola de nós a nossa fé nEle.

Analisemos mais a fundo e vejamos algumas vias de acesso ao conhecimento de Deus. Disse Santo Agostinho: “Interroga a beleza da terra, interroga a beleza do mar, interroga a beleza do ar que se dilata e se difunde, interroga a beleza do céu... interroga todas essas realidades. Todas elas te respondem: olha-nos, somos belas. Sua beleza é um hino de louvor. Essas belezas sujeitas à mudança, quem as fez senão o Belo, não sujeito à mudança?” (Serm. 241,2: PL 38, 1134). Observe a criação, todos os seres vivos e também os não vivos. Sua beleza e perfeição falam sim de seu Criador. Quem consegue realmente contemplar todos os seres criados vê o dedo de Deus em todos eles. Contemplando o mundo em sua beleza, bondade e verdade consegue conhecer a Deus como o Princípio e o Fim último do Universo.

“Pois o que de Deus se pode conhecer é a eles (os pagãos) manifesto, já que Deus mesmo lhes deu esse conhecimento. De fato, as perfeições invisíveis de Deus – não somente seu poder eterno, mas também a sua eterna divindade – são percebidas pelo intelecto, através de suas obras, desde a criação do mundo.” (Rm 1,19-20)

Olhemos o ser humano. Vejamos como o homem é capaz de pensar, sentir, agir. Também possui grande abertura à verdade e à beleza. Somente o ser humano possui o senso do bem e do mal, utiliza-se de sua liberdade e escuta a voz de sua consciência. Ele pode fazer planos para o futuro, conquistar sua felicidade e ir muito além de seus próprios limites. O fato de o ser humano poder questionar a própria existência de Deus. Com isso tudo ele sente sua alma espiritual, “semente de eternidade que leva dentro de si, irredutível a só matéria” (Gaudium et Spes 18,1; cf. 14,2). O Catecismo da Igreja Católica diz no parágrafo 34: “O mundo e o homem atestam que não têm em si mesmos nem seu princípio primeiro nem seu fim último, mas que participam do Ser em si, que é sem origem e sem fim. Assim, por estas ‘vias’, o homem pode aceder ao conhecimento da existência de uma realidade que é a causa primeira e o fim último de tudo, ‘e que todos chamam Deus’” (Sto. Tomás de Aquino, S. Th I,2,3.)

O que todo homem tem em comum, seja ele crente ou descrente, é o fato de que todos possuem dentro de si um grande desejo de Deus. A alma de todo ser humano clama por Deus e sabe que só encontra a verdadeira felicidade quem encontra a esse mesmo Deus. E é por isso que alguns acabam agindo de forma desesperada e entram no mundo da prostituição, das drogas, ou também grandes atos de bondade sendo sempre solícitos, amorosos, caridosos. Em tudo isso está a busca da alma por Deus, o seu Amado.

“A minh’alma tem sede de Vós, minha carne também vos deseja, como terra sedenta e sem água!” (Sl 62,2).

Não se pode impor a que os não crentes comecem a crer a qualquer custo e o quanto antes. Não é dessa forma que as coisas funcionam. Faz-se necessária toda uma vida de conversão, reflexão e escuta da voz de Deus. Deus dá a sua graça a todos os homens. A nós (mesmo nós que somos crentes) resta colocarmo-nos à disposição dessa graça como Maria Santíssima fez: Fiat! – Faça-se a Tua vontade! - O importante é caminhar, viver cada dia, passo a passo. Com o tempo, a graça de Deus há de conquistar-nos e então, finalmente, buscaremos a Felicidade em sua fonte original. Dizem que todos os caminhos levam a Roma. Bem, nem todos os caminhos levam a Deus. Mas todos eles são trilhados no mais simples desejo de encontra-lo.

"Tu me seduziste, Senhor,

E eu me deixei seduzir!

Foste mais forte do que eu..." (Jr 19,7)

“Vós sois grande, Senhor, e altamente digno de louvor: grande é o vosso poder, e a vossa sabedoria não tem medida. E o homem, pequena parcela de vossa criação, pretende louvar-vos, precisamente o homem que, revestido de sua condição mortal, traz em si o testemunho de seu pecado e de que resistis aos soberbos. A despeito de tudo, o homem, pequena parcela de vossa criação, quer louvar-vos. Vós mesmo o incitais a isto, fazendo com que ele encontre suas delícias no vosso louvor, porque nos fizestes para vós e o nosso coração não descansa enquanto não repousar em vós.” (Sto. Agostinho, Conf. I,1,1)

LUCIANO BENEDITO DOS SANTOS

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Amor de Índio

(Beto Guedes/Ronaldo Bastos)

Tudo que move é sagrado
E remove as montanhas
Com todo o cuidado
Meu amor
Enquanto a chama arder
Todo dia te ver passar
Tudo viver a teu lado
Com arco da promessa
Do azul pintado
Pra durar

Abelha fazendo o mel
Vale o tempo que não voou
A estrela caiu do céu
O pedido que se pensou
O destino que se cumpriu
De sentir seu calor
E ser todo
Todo dia é de viver
Para ser o que for
E ser tudo

Sim, todo amor é sagrado
E o fruto do trabalho
É mais que sagrado
Meu amor
A massa que faz o pão
Vale a luz do teu suor
Lembra que o sono é sagrado
E alimenta de horizontes
O tempo acordado de viver

No inverno te proteger
No verão sair pra pescar
No outono te conhecer
Primavera poder gostar
No estio me derreter
Pra na chuva dançar e andar junto
O destino que se cumpriu
De sentir seu calor e ser tudo
Sim, todo amor é sagrado.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

O Palhaço


(Vocal Ellas)

Preste atenção nessa história
que eu vou te contar.
Essa história que eu conto é pra fazer pensar.

No altar da igreja, um belo dia,
chega o sacristão com a vassoura,
pá e pano pra limpar o chão.

E lá chegando encontrou o palhaço a brincar,
equilibrando uma bola em seu calcanhar.

E entre risos o palhaço escorregou no chão
e terminando a cambalhota viu o sacristão.

"Mas que vergonha, o que é isso?"
disse o sacristão.
"Onde se viu fazer bagunça?"
o que ele disse então.

Mas o palhaço sorriu e disse a cantar:
"Eu sou o palhaço e brincando é que eu seu rezar
como você o que tenho pra oferecer,
igual a você o melhor para oferecer para Deus".

Essa palavra então, por fim, calou o sacristão.
E ele lembrou que o melhor se dá de coração.

E o palhaço assim se despediu
em uma pirueta longa como ele partiu.

Laiá, laiá, laiá, laiá...

Mas o que nem sacristão nem palhaço viu,
é que a imagem do menino Jesus sorriu.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Animais no Altar (168)

Na Basílica de São Cosme e Damião, em Roma, há uma capela lateral dedicada a São Francisco de Assis, onde podemos ver uma tela belíssima, cópia de um famoso quadro de Jerônimo Muziano (+ 1592), com São Francisco rezando diante do Crucificado. Observando bem o quadro, vemos, sobre uma pedra, uma lagartixa. Ora, a lagartixa é símbolo da alma que procura a luz divina. Exatamente isto era o que procurava São Francisco diante do crucificado. Ao mesmo tempo, a lagartixa é símbolo da ressurreição. Ora, bem perto da pedra, vemos também um crânio, evidente símbolo da morte. Ao fazer morrer seu egoísmo e seus interesses, Francisco, através do crucificado, ressuscita para a vida eterna.

Frei Clarêncio Neoti, OFM

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Stabat Mater

Estava a mãe dolorosa
chorando junto à cruz
da qual seu filho pendia

Sua alma soluçante
inconsolável e angustiada
era atravessada por um punhal

Ó, quão triste e aflita
estava a bendita mãe
do Filho Unigênito!

Transpassada de dor,
chorava, vendo
o tormento do seu filho

Quem poderia não se entristecer
Ao contemplar a Mãe de Cristo
sofrendo tanto suplício?

Quem poderia conter as lágrimas
vendo a mãe de Cristo
dolorida junto ao seu Filho?

Pelos pecados do seu povo
Ela viu Jesus no tormento,
Flagelado por seus súditos

Viu seu doce Filho
morrendo desolado
ao entregar seu espírito.

Ó mãe, fonte de amor,
faz com que eu sinta toda a sua dor
para que eu chore contigo.

Faz com que meu coração arda
no amor a Cristo Senhor
para que possa consolar-me

Mãe Santa, marca profundamente
no meu coração
as chagas do teu filho crucificado

Por mim, teu Filho coberto de chagas
quis sofrer seus tormentos,
quero compartilhá-los

Fa com que eu chore
e que suporte com Ele a sua cruz
enquanto dure a minha existência

Quero estar em pé,
ao teu lado, junto à cruz
chorando junto a ti

Virgem de virgens notável,
não sejas rigoroza comigo,
deixa-me chorar junto a ti.

Faz com que eu compartilhe a morte de Cristo
que participe da sua paião
e que rememore suas chagas

Faz com que me feram suas feridas,
que sofra o padecimento da cruz
pelo amor do teu Filho

Inflamado e elevado pelas chamas
seja defendido por ti, ó Virgem,
no dia do juízo final.

Faz com que eu seja custodiado pela cruz,
fortalecido pela morte de Cristo
e confortado pela graça.

Quando o corpo morrer,
fa com que minha alma alcance
a glória do paraíso.

Amém! Pelos séculos dos séculos.

LEITURA ORANTE: A perda é salvação

Quem perder a sua vida por causa de mim, esse a salvará. Preparo-me para a Leitura Orante, rezando com todos os que, nesta rede da...